Descoberto mecanismo cerebral do tabagismo

 

Um estudante norte-americano deu uma valiosa contribuição involuntária para o entendimento dos mecanismos neurais da dependência da nicotina. Tabagista inveterado desde os 14 anos, N. fumava dois maços por dia. Aos 30, sofreu um derrame – possivelmente associado ao seu vício – que provocou uma lesão na ínsula, região interna do cérebro do tamanho de uma moeda. No dia seguinte ao acidente, N. perdeu totalmente o interesse pelo cigarro: “Esqueci que eu era um fumante”, conta ele. “Meu corpo esqueceu a vontade de fumar.”

O caso de N. motivou uma equipe da Universidade de Iowa e da Universidade do Sul da Califórnia a investigar o papel dessa estrutura cerebral na dependência da nicotina. Após investigar dezenas de fumantes que haviam sofrido lesões cerebrais, os pesquisadores concluíram que a ínsula de fato é essencial para o estabelecimento do vício.

A equipe investigou 69 indivíduos que haviam sofrido lesões do cérebro, selecionados em um registro de pacientes que a Universidade de Iowa mantém há mais de dez anos. Em 19 casos, as lesões haviam afetado a ínsula, região envolvida nas necessidades conscientes e no processamento de emoções e sentimentos; nos 50 restantes, outras regiões cerebrais haviam sido afetadas.

Os pacientes que haviam parado de fumar após o acidente responderam a um questionário que avaliava se eles consideravam que havia sido fácil parar, se ainda sentiam vontade de fumar e se haviam tido alguma recaída. Os resultados mostraram que havia uma relação significativa entre a região do cérebro lesionada e o fim da dependência da nicotina após a lesão: entre os 13 pacientes com lesão na ínsula que haviam parado de fumar, 12 não manifestavam mais dependência; já entre os 19 ex-fumantes com lesões em outras regiões, apenas quatro podiam ser considerados livres da dependência.

Campanha antitabagista do serviço britânico de saúde pública mostra usuário literalmente fisgado pelo vício.

Tratamentos contra a dependência
“Os resultados indicam que a ínsula é um substrato neural crítico na dependência do fumo”, conclui a equipe no artigo publicado na Science desta semana. O resultado é importante, já que muito pouco se sabia sobre os mecanismos cerebrais envolvidos nessa dependência. E abre as portas para o desenvolvimento de novos tratamentos para combater a dependência do tabagismo – vício associado a 26% das mortes de homens e 9% das mortes de mulheres nos países desenvolvidos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

No futuro, seria possível desenvolver drogas que inibam receptores de neurotransmissores que atuam na ínsula e que possam inibir a vontade de fumar sem comprometer outras funções essenciais dessa estrutura. Mas os autores são cautelosos ao abordar essa possibilidade. “Nosso estudo dá um passo nessa direção”, afirma Nasir Naqvi, autor principal do artigo, em entrevista à CH On-line . “Os resultados ajudam sobretudo a focar o interesse nessa estrutura, que recebeu relativamente pouca atenção nos estudos sobre a dependência de drogas.”

Há muito caminho a ser percorrido, de fato, até que as conclusões possam ter um impacto concreto na luta contra o tabagismo. O estudo deixa muitas perguntas sem resposta. Não ficou claro, por exemplo, por que cinco dos 19 pacientes com lesão na ínsula não pararam de fumar. “Pretendemos investigar esses casos para determinar se esses indivíduos ainda sentem necessidade de fumar, embora não tenham parado”, conta Naqvi. “Queremos entender o papel exato da ínsula na dependência, mais do que saber apenas que ela é necessária para manter o vício.” 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
25/01/2007