Uma nova espécie de quimera com características primitivas foi encontrada na costa de Santa Catarina e do Rio de Janeiro. O animal não mudou quase nada nos últimos 150 milhões de anos e faz parte do grupo de peixes cartilaginosos que inclui raias e tubarões. Dois cientistas brasileiros são os responsáveis pela descoberta: Jules Soto, curador do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajá, e Carolus Vooren, professor da Fundação Universidade Federal do Rio Grande.
A nova espécie tem até 40 cm de comprimento, pertence ao gênero Hydrolagus
e deve ser batizada em homenagem ao ictiólogo espanhol Jesus Matallanas
(foto: Rafael de Alcântara Brandi)
Segundo os cientistas, a quimera é encontrada em profundidades de 400 a 750 metros, a cerca de 370 quilômetros da costa. “Acreditamos que essa espécie seja endêmica do Brasil, mas ainda não há conclusões a respeito disso”, comenta Jules Soto. A nova espécie de peixe foi identificada por foto em 2001, mas foi somente no início de 2003 que foram capturados, por meio da pesca de arrasto feita em navios pesqueiros, 21 exemplares do animal para análise.
“A pesquisa revelou que esse peixe tem características semelhantes a fósseis de quimeras do mesmo gênero específico ( Hydrolagus ), cujos ancestrais remontam a 350 milhões de anos — anteriores à existência dos dinossauros”, explica Soto. “Ele pouco evoluiu em 150 milhões de anos, o que mostra sua ótima adaptação ao ambiente em que vive.” Entretanto, sabe-se pouco ainda sobre os hábitos desse animal.
A nova espécie mede de 30 a 40 centímetros, metade do tamanho apresentado por outras quimeras. Habitante de grandes profundidades, em que a temperatura da água não passa de 5o C e a escuridão é total, esse peixe apresenta nervos expostos em canais sensoriais por toda a cabeça.
Essas terminações nervosas são capazes de detectar a irradiação do campo elétrico de outros seres vivos próximos (membros do grupo ou presas em potencial), sem que eles precisem se mexer e emitir ondas vibratórias. “O animal, no entanto, não é cego: tem olhos enormes e sensíveis, capazes de perceber a mínima variação de luz”, diz Soto. “Na superfície, a retina dos olhos do animal queimaria sem uma devida proteção.”
O peixe também possui um gancho recoberto de espinhos sobre a cabeça. Os pesquisadores ainda não sabem a função desse apêndice, mas acreditam que ele ocorra apenas nos machos e sirva para segurar a fêmea no momento da cópula. Ele mostra ainda nadadeiras cartilaginosas e fibrosas e seis placas de dentes muito parecidos com os dos coelhos.
Soto destaca que a descoberta da nova espécie traz à tona o quanto a fauna oceânica brasileira é ainda desconhecida e como está desprotegida. “Diversos peixes como essa quimera estão totalmente adaptados aos ambientes isolados em que vivem”, explica. “Uma intervenção intensa pode vir a dizimá-los, antes mesmo de nós os conhecermos.”
O pesquisador acrescenta que não prevê pesquisas para estimar a quantidade de animais da espécie, por prezar a preservação de um hábitat estável. “Para se obter esse dado, teríamos que capturar muitos animais dessa espécie, fator que seria prejudicial da mesma forma que a pesca predatória.”
Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
07/07/04