Desmatamento irreversível?

 

O Mato Grosso, estado brasileiro que responde por quase 50% do desflorestamento de toda a região amazônica, pode não conseguir regenerar a floresta tropical desmatada em seu território e, assim, caminhar diretamente para um processo de savanização. O alerta, fruto de estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), indica maior urgência para a preservação do norte do estado.

Os resultados da pesquisa, publicados na última edição do periódico Journal of Geophysical Research, foram obtidos a partir de dados de um modelo que analisou o poder de recuperação da floresta em diferentes cenários de devastação. Segundo a meteorologista Mônica Senna, uma das autoras do artigo, o objetivo inicial do estudo era tentar descobrir se havia um limite máximo de desmatamento que não provocasse interferências prejudiciais na regeneração da floresta.

Para realizar a análise, a equipe abasteceu o modelo não apenas com dados sobre desmatamento. Pela primeira vez em estudos sobre o processo de savanização da Amazônia, foi considerado o fato de o solo amazônico ser, por si só, pobre em nutrientes.

Os pesquisadores simularam situações com diferentes taxas de desmatamento – de zero a 100% – e adicionaram informações sobre a deficiência nutricional do solo para analisar a influência desse fator na recuperação florestal. “O modelo nos mostrou que a deficiência nutricional do solo torna a regeneração da floresta bem mais lenta”, relata Senna.

O estudo revelou também que, a partir de 40% de desmatamento na floresta amazônica, há uma drástica redução na ocorrência de chuvas na região, o que limita ainda mais a regeneração florestal. “No norte do Mato Grosso, por exemplo, o grau de recuperação é nulo”, alerta a pesquisadora.

Estado mais seco por natureza
Mas por que o Mato Grosso apresenta essa falta de capacidade para recuperar áreas desmatadas? Segundo Senna, o motivo é o fato de o estado ter, diferentemente de outros pontos da Amazônia, uma estação seca bem definida.

A pesquisadora Mônica Senna, que trabalha atualmente
na Universidade Federal do Rio de Janeiro, fala sobre o desmatamento no Mato Grosso (clique na imagem para
ver o vídeo).

O modelo mostrou que o desmatamento na região diminui ainda mais a ocorrência de chuvas e estende a estação seca de quatro para cinco meses. “Mesmo nos meses chuvosos, a intensidade das chuvas diminui”, completa a meteorologista. Esses fatores seriam suficientes para impedir a regeneração da floresta.

Diferentemente dos resultados da equipe da UFV, pesquisas anteriores apontam que a savanização poderia ocorrer em todo o território amazônico. É o caso de um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que, além do desmatamento, considerou o aquecimento global. Em um cenário otimista, com aumento de temperatura de até 3 °C e desflorestamento de, no máximo, 40% até 2050, a savana cresceria 170% na região e apenas 66,2% da floresta tropical desmatada seria capaz de se regenerar.

“Como o modelo que utilizamos não trabalha com todos os fatores possíveis, não podemos descartar a savanização da Amazônia inteira”, afirma Senna. Segundo ela, o aquecimento global, as concentrações de gás carbônico na atmosfera e a ocorrência de incêndios, entre outros aspectos, também devem ser considerados em futuros estudos.

“Levando em conta apenas o desmatamento, o fator climático e o solo pobre em nutrientes, podemos apontar a possibilidade de savanização somente no norte do Mato Grosso”, enfatiza a pesquisadora. “Mas são necessários mais estudos de campo para confirmar as conclusões do modelo climático”, completa.

A savanização de parte da Amazônia acarretaria uma perda significativa de biodiversidade na região, já que a adaptação de espécies a um novo ecossistema demora séculos ou até milênios. “Portanto, o desmatamento no Mato Grosso deve receber mais atenção das autoridades, pois a maior sensibilidade climática da região pode fazer com que ela em breve deixe de ser abrigo para milhares de espécies da floresta tropical”, conclui a meteorologista. 


Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
26/03/2009