Determinantes das guerras civis

        


Quando explorados, camponeses podem se tornar atores de conflitos civis em busca de seus interesses. Na imagem, quadro de Thomas Hart Benton intitulado July Hay , de 1943.

Mais do que as guerras entre nações, as guerras civis destroem populações de inúmeros países. Só no século 20, elas resultaram em 134 milhões de mortes, o dobro do provocado por guerras entre Estados. Mas quais fatores podem levar um país a enfrentar um conflito dessa espécie? Uma pesquisa realizada na Universidade de São Paulo (USP) conclui que questões relacionadas ao meio rural, como crescimento populacional, instabilidade política e concentração de terra e produtividade, podem ser determinantes para deflagrar uma guerra civil.

Na literatura sobre guerras civis, consta que esse tipo de conflito ocorre geralmente em países pobres, que exportam cerca de 1/3 de seus recursos naturais e cuja independência é recente. Segundo dados do Banco Mundial, aproximadamente 20% da população da África Subsaariana vivia em conflitos civis durante a década de 1990. “O cenário desses combates muitas vezes é a região rural, e os atores dessas revoltas são, em geral, camponeses”, explica o cientista político Artur Zimerman, que desenvolveu a pesquisa no Departamento de Ciência Política da USP em seu doutorado, realizado também na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, onde ficou um ano.

Para avaliar os fatores que levam esses indivíduos a se voltar contra grandes proprietários ou o Estado, o pesquisador criou um índice para o risco de ocorrência de guerra civil, empregando uma metodologia quantitativa raramente usada por acadêmicos de ciências humanas no Brasil. Para desenvolver esse índice, Zimerman levou em conta o crescimento demográfico, a produtividade e a concentração de propriedades rurais em países majoritariamente agrários. “A cada novo sem-terra e pequeno proprietário que surge, a probabilidade de conflito aumenta 1,52 vezes e cada novo camponês que nasce aumenta essa chance em 1,5 vezes”, destaca.

Segundo o cientista político, o aumento da produtividade rural pode ser decisivo para reduzir o risco de eclosão de uma guerra civil: a cada cultivo adicional (de produto agrícola igual ou diferente) por hectare, o risco de guerra cai 60%. Com relação à concentração de terra, ele lamenta a impossibilidade de se determinar um índice confiável. “Os dados não são fiéis à realidade. Muitas vezes, o dono da terra coloca a propriedade no nome de terceiros, ou simplesmente não a declara, por exemplo. Conhecemos de perto esse problema aqui no Brasil.”

A instabilidade política também é um fator fundamental para a ocorrência de guerra civil, na análise do pesquisador. “Cada ponto de instabilidade eleva o risco de conflito em mais de três vezes”, diz. Para mensurar o grau de instabilidade e fazer esse cálculo, Zimerman considerou o índice Polity , publicado pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Esse instrumento atribui notas de 0 a 10 em função dos níveis de democracia e autocracia em todos os países desde o século 19. Países que tiveram, de um ano para outro, uma alteração de pelo menos três pontos no Polity , tanto para mais quanto para menos, foram considerados híbridos, ou seja, uma mescla de regime autoritário com democrático. “Em países com esse tipo de regime político, o risco de guerras é maior”, afirma.

O pesquisador analisou a situação de 147 países com e sem incidência de guerras e reuniu mais de 3.600 conjuntos de dados, referentes ao período de 1969 a 1997, com as variáveis do meio rural usadas no estudo separadas por ano para cada país. Em 50 deles, o número de conflitos durante esses 29 anos totalizou 69 – alguns países tiveram mais de uma guerra civil. O Brasil ficou fora do grupo, já que não houve conflitos civis no período.

Segundo Zimerman, o Brasil não preenche as características necessárias para levar diferentes grupos internos a guerrear entre si, almejando o poder político central ou a divisão do país. “Nossa renda per capita é alta, embora concentrada, e já não somos um país majoritariamente agrário”, diz. “Além disso, os sem-terra daqui não são revolucionários, só querem um pedaço de terra para produzir e sustentar suas famílias”, avalia o cientista político, que em seu pós-doutorado emprega uma metodologia quantitativa semelhante para analisar a violência agrária brasileira e suas determinantes.


Fernanda Alves

Ciência Hoje On-line
26/09/2007