Dez milhões por uma revolução

 

Dez milhões de dólares. Este é o prêmio oferecido por uma fundação norte-americana à primeira equipe que conseguir seqüenciar cem genomas humanos em um intervalo de dez dias, a um custo máximo de 10 mil dólares por cada genoma decifrado. O objetivo é desenvolver tecnologias mais rápidas e baratas de seqüenciamento que possam viabilizar o advento da medicina genômica personalizada, na qual a detecção, a prevenção e o tratamento de doenças serão feitos de acordo com o perfil genético de cada paciente.

A SpaceShipOne, aeronave criada pela Mojave Aerospace Ventures, ganhou o primeiro prêmio de 10 milhões de dólares oferecido pela Fundação Prêmio X, após fazer duas viagens tripuladas ao espaço em menos de duas semanas (foto: Rokits XPrize gallery).

Há ainda outras condições para se concorrer ao prêmio: o seqüenciamento não pode apresentar mais de um erro a cada 10 mil bases ‘soletradas’ e as seqüências devem cobrir no mínimo 98% de cada genoma. Além disso, pelo menos 90% dos custos operacionais do seqüenciamento e do desenvolvimento de tecnologia têm que ser bancados pela iniciativa privada.

Quem propõe o desafio é a Fundação Prêmio X – uma organização sem fins lucrativos sediada na Califórnia que tem como objetivo estimular avanços da ciência e tecnologia em benefício da humanidade . Em 2004, a mesma instituição ofereceu um outro prêmio de 10 milhões de dólares para a primeira empresa que construísse uma aeronave capaz de fazer dois vôos tripulados ao espaço num intervalo de duas semanas.

A meta proposta é muito ambiciosa. “As técnicas mais modernas disponíveis têm um custo mínimo entre US$ 0,01 e US$ 0,0033 por base seqüenciada, em condições absolutamente ideais”, conta o geneticista brasileiro Emmanuel Dias Neto, professor visitante do Centro de Câncer MD Anderson, nos EUA – no final dos anos 1990, ele participou do desenvolvimento de um método brasileiro de seqüenciamento genético. Assim, seqüenciar um único genoma humano, com 3,2 bilhões de bases, não sairia por menos de 10 milhões de dólares – mil vezes mais do que o limite estipulado pelo prêmio.

Outros obstáculos
E o custo do seqüenciamento está longe de ser o único desafio aos concorrentes. “Creio que o mais difícil será montar um sistema com a precisão requerida”, acrescenta Dias Neto. “O tamanho dos fragmentos que podem ser seqüenciados ainda é um limitante. Os sistemas mais modernos disponíveis não conseguem ler longos fragmentos de DNA, o que dificulta imensamente a montagem de genomas complexos e cheios de elementos repetitivos, tais como o genoma humano.”

Apesar da dificuldade da meta, o comitê organizador do prêmio – do qual faz parte o geneticista Craig Venter, líder da empresa que seqüenciou o genoma humano no ano 2000 em paralelo com um consórcio público internacional – espera que ela seja cumprida dentro de cinco a sete anos.

Máquina de seqüenciamento genético desenvolvida pela 454 Life Sciences, que concorre ao prêmio (reprodução).

O desafio está aberto a equipes do mundo inteiro. Desde que foi lançado, em outubro do ano passado, três equipes já se inscreveram para concorrer ao prêmio – todas norte-americanas. A VisiGen Biotechnologies e um consórcio encabeçado pela Foundation for Applied Molecular Evolution apostam em tecnologias de seqüenciamento paralelo feito durante a replicação da molécula de DNA.

A outra equipe inscrita é a 454 Life Sciences, cuja tecnologia já tem sido usada em estudos como o seqüenciamento de fragmentos do DNA do homem de Neandertal . A estratégia dessa equipe permite seqüenciar 20 milhões de bases a cada cinco horas – uma velocidade notável, mas ainda insuficiente para cumprir a meta do prêmio.

Embora a genômica brasileira não chegue a fazer feio diante de países da América do Norte, Europa e Japão, nenhuma equipe do país deve se candidatar ao prêmio. “Temos pessoal de alta qualidade no Brasil, mas penamos com a demora nas importações e ainda com a falta de uma massa crítica mais densa”, avalia Emmanuel Dias Neto. “Além disso, quase nada se faz com financiamento privado e em geral as empresas não querem correr o risco de financiar projetos de pesquisa arriscados.”

Motivações
O Prêmio X de Genômica  lembra iniciativas semelhantes que estimularam a inovação por meio da competição e pela oferta de uma recompensa em dinheiro. Em 1901, por exemplo, Santos-Dumont levou o prêmio Deutsch de la Meurthe, de 100 mil francos, por conseguir fazer um vôo controlado com seu dirigível número 6. No entanto, o polpudo prêmio oferecido aos vencedores do desafio de genômica, patrocinado pela empresa canadense de exploração de diamantes Archon Minerals, não deve ser o principal motivador dos concorrentes (apenas o investimento feito no desenvolvimento da tecnologia para ganhar o prêmio deve superar em muito o valor da bolada).

Quem criar um método rápido e barato de seqüenciamento genético terá nas mãos uma verdadeira galinha dos ovos de ouro – e isso sim anima os concorrentes. “Esta é uma área de imenso interesse para a indústria farmacêutica”, explica Dias Neto. “Os benefícios financeiros advindos do domínio da tecnologia são imensamente maiores do que o prêmio em dinheiro.”

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
17/01/2007