Gestantes e lactantes que consomem salmão e sardinha pelo menos três vezes por semana ou tomam uma cápsula de óleo de peixe uma vez por dia – duas boas fontes de ômega-3 – podem estar prevenindo que seus filhos desenvolvam depressão mais tarde. Por enquanto, isso parece ser verdade para ratos, como mostrado em palestra na 27ª Reunião Anual da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), realizada de 22 a 25 de agosto em Águas de Lindoia (SP).
Os dados são os resultados mais recentes de um estudo realizado há anos no Laboratório de Neurofisiologia da Universidade Federal de Paraná (UFPR). A pesquisa é feita com ratos machos nascidos de mães que foram suplementadas com uma cápsula de óleo de peixe por dia durante a gestação e a lactação. Vinte e um dias depois do nascimento, eles foram separados das mães e ficaram sem suplementação até os 90 dias de idade, quando já são adultos.
Os ratos então passaram por um teste de natação forçada, no qual foram postos em um cilindro com água e seus movimentos – imobilidade, natação ou escalada – foram observados durante cinco minutos. “A imobilidade é considerada um comportamento depressivo, enquanto os outros dois não”, explica a neurofisiologista Anete Curte Ferraz, coordenadora do laboratório. Ela ressalta, no entanto, que esse teste não é considerado um modelo de depressão.
Os ratos machos cujas mães foram suplementadas apresentaram menos comportamento de imobilidade que os de mães não tratadas, nadaram mais que estes e escalaram na mesma proporção. “Isso mostra que o óleo de peixe reduziu o sintoma de depressão e que esse efeito está associado à ação do neurotransmissor serotonina, pois já foi mostrado que essa substância media o comportamento de natação nesses casos”, esclarece Ferraz.
No caminho da serotonina
Com base nesses resultados, os pesquisadores realizaram testes adicionais, sempre utilizando a natação forçada como parâmetro de avaliação, para tentar identificar os mecanismos por trás da relação entre o ômega-3 do óleo de peixe e a serotonina.
Eles administraram nos ratos drogas que diminuem a síntese de serotonina, como o paraclorofenilalanina (PCPA), e uma substância que bloqueia o 5HT1A, um dos receptores para esse neurotransmissor. Esse receptor localiza-se em áreas do cérebro relacionadas ao comportamento depressivo e, quando ativado, melhora a terapia antidepressiva.
“Em ambos os casos, os tratamentos reverteram o efeito do óleo de peixe, mostrando a participação do receptor no efeito benéfico do ômega-3”, conta a neurofisiologista.
O grupo resolveu então quantificar a presença de outro neurotransmissor no cérebro dos ratos, o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, na sigla em inglês), que garante a sobrevivência de neurônios serotoninérgicos, ou seja, as células nervosas que produzem serotonina.
Os testes detectaram um aumento significativo do BDNF no hipocampo e no córtex dos ratos de mães suplementadas, tanto naqueles com 21 dias de idade quanto nos de 90 dias. “Esse dado dá suporte à nossa hipótese sobre o mecanismo por trás do efeito do óleo de peixe, bem como mostra que os ganhos proporcionados para os filhotes pela suplementação se mantêm na vida adulta”, observa Ferraz.
Com base nos resultados, os pesquisadores sugerem que o ômega-3 esteja induzindo a produção de BDNF, o qual estaria garantindo a sobrevivência, o crescimento e a plasticidade (capacidade de adaptação) dos neurônios serotoninérgicos. O ômega-3 estaria também modulando o receptor 5HT1A e impedindo a degradação da serotonina nos neurônios do hipocampo, o que prolongaria o efeito desse neurotransmissor.
“A conclusão disso é que a suplementação com óleo de peixe durante a gestação e a lactação promove um efeito antidepressivo comparável ao do tratamento crônico com drogas comumente usadas para esse fim”, declara a neurofisiologista.
Fred Furtado*
Ciência Hoje/RJ
* O jornalista viajou a Águas de Lindoia a convite da Fesbe.