Diversidade escondida em caverna da Amazônia

As cavernas podem esconder uma diversidade de animais insuspeita. Durante expedição em busca de carrapatos em uma caverna da selva amazônica, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) encontraram cinco espécies, duas delas novas para a ciência e uma inédita no Brasil.

As novas espécies foram batizadas de Nothoaspis amazoniensis e Carios rondoniensis. A espécie encontrada pela primeira vez em território brasileiro, Ornithodoros marinkellei, já havia sido observada na Colômbia, no Panamá e na Venezuela. As outras duas espécies, Antricola guglielmonei e Antricola delacruzi, haviam sido relatadas anteriormente apenas em Sergipe.

Os objetivos da equipe, liderada pelo médico veterinário Marcelo Bahia Labruna, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, eram aumentar o conhecimento sobre a diversidade de espécies de carrapatos no Brasil e, principalmente, entender melhor as doenças causadas por esses parasitas, como a febre maculosa – provocada pela picada do carrapato infectado pela bactéria Rickettsia rickettsii.

'Carios rondoniensis’
Imagem do macho de ‘Carios rondoniensis’ obtida a partir de microscopia eletrônica (imagem: Marcelo Labruna).

“Desde o início do nosso trabalho, há dez anos, já encontramos trinta espécies de carrapatos em Rondônia, metade de todas as conhecidas pela comunidade científica”, destaca o pesquisador. A descrição da Carios rondoniensis foi publicada em 2008 no Journal of Parasitology e a da Nothoaspis amazoniensis será publicada na edição de dezembro de 2010 do mesmo periódico.

Labruna conta que a pesquisa buscava a princípio estudar a malária. Mas a existência de casos que não puderam ser diagnosticados como malária redirecionou os estudos para a febre maculosa. “Hoje nosso objetivo é encontrar nos carrapatos as bactérias causadoras da doença”, diz.

Hábitat hostil

A expedição foi realizada em uma caverna habitada por morcegos no Parque Ecológico de Porto Velho, em Rondônia. “Sabíamos que, em um local com muitos morcegos, certamente encontraríamos muitos carrapatos, que parasitam esses animais”, afirma Labruna.

Os pesquisadores ainda não sabem se as novas espécies de carrapato são transmissoras da febre maculosa

Por outro lado, a presença dos morcegos trouxe alguns obstáculos para a equipe: havia um forte cheiro de amônia, decorrente da fermentação do guano, material formado pelo acúmulo de excremento desses animais. “Ir à caverna para fazer a coleta dos carrapatos exigiu o uso de máscaras químicas que nos permitissem suportar o alto teor de amônia”, conta o médico veterinário.

Os pesquisadores ainda não sabem se as novas espécies de carrapato são transmissoras da febre maculosa e nem mesmo como esses parasitas conseguem viver em ambiente tão hostil.

‘Nothoaspis amazoniensis’
Fêmea de ‘Nothoaspis amazoniensis’ sobre uma pedra na parede da caverna em Rondônia (foto: Marcelo Labruna).

“Os carrapatos encontrados não puderam ser criados em laboratório, pois não conseguimos mantê-los vivos fora de um ambiente com amônia”, diz Labruna, lembrando que o teor desse gás necessário para a sobrevivência desses animais depende da espécie a que pertencem e da temperatura do ambiente. Agora, o grupo estuda a fisiologia das novas espécies para tentar responder a essas questões.

O estudo dessas novas espécies é muito importante do ponto de vista evolutivo, por se tratarem de exemplos vivos de reversão do parasitismo

A capacidade que esses carrapatos têm de viver em um ambiente hostil poderá ajudar pesquisadores a entender mecanismos de intoxicação, síntese de proteínas e neutralização de toxinas. “Esse conhecimento talvez possa ajudar na compreensão da intoxicação entre humanos”, arrisca o médico veterinário.

A equipe deverá analisar ainda a forma de alimentação dos carrapatos recém-descobertos, que, diferentemente das outras espécies do grupo, não se alimentam de sangue do hospedeiro em fases posteriores à de larva.

“Ainda não sabemos do que se alimentam essas espécies quando deixam de ser larvas; talvez do próprio guano”, especula Labruna. Ele ressalta a importância do estudo dessas novas espécies do ponto de vista evolutivo, por se tratarem de exemplos vivos de reversão do parasitismo.

Debora Antunes
Ciência Hoje On-line