Do céu para os hospitais

Uma técnica usada para identificar gigantescos objetos astronômicos fotografados por telescópios agora pode ser aplicada na detecção de minúsculas células cancerosas vistas através de microscópios. A ideia da interessante troca é de pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

Os cientistas do Centro de Pesquisa de Câncer e do Instituto de Astronomia da instituição formaram uma parceria para adaptar um programa de análise de imagens que identifica galáxias, estrelas e planetas no céu para ele passar a apontar células de tumores de câncer de mama agressivos.

Existem tumores de diferentes níveis de severidade e a identificação do estágio exato em que se encontram ajuda a direcionar o tipo de tratamento mais adequado em cada caso. Os cientistas conseguem saber se um câncer é de categoria agressiva pela presença de determinadas proteínas que a célula tumoral produz. Hoje, a detecção dessas proteínas é feita pela visualização de amostras em microscópios, um processo que pode tomar muito tempo.

Com o programa, a identificação dos tumores é automatizada e mais de 5 mil imagens podem ser analisadas por dia

O programa de astronomia adaptado faz esse trabalho de modo automático e mais rápido. Os cientistas só precisam jogar sobre as amostras de tumor uma substância que reage com as células e deixa uma mancha marrom onde há a proteína que procuram. Feito isso, basta deixar que o software processe fotografias das amostras e identifique, sozinho, as células marcadas. 

“A medicina moderna está dando os primeiros passos no sentido de prever o sucesso ou a falha de tratamentos específicos para determinados perfis de câncer”, comenta um dos pesquisadores envolvidos na iniciativa, o oncologista Carlos Caldas. “Mas, para isso, precisamos verificar milhares de amostras de tumores no microscópio. Com esse processo automatizado, podemos analisar mais de cinco mil imagens por dia.”

O programa já foi testado com tumores de duas mil pacientes e se mostrou tão eficaz quanto os métodos tradicionais. Os cientistas agora planejam repetir os testes com mais amostras e refinar o programa para detectar outros elementos.

Troca de experiências

A ideia de usar as ferramentas da astronomia na medicina surgiu depois que cientistas do grupo participaram de um congresso que reuniu físicos, astrônomos e cientistas de biomédicas justamente para compartilharem conhecimentos.

Pode ser difícil de ver semelhanças entre as áreas, mas o líder da pesquisa, o oncologista Raza Ali, conta que logo de cara soube como aproveitar a expertise dos colegas astrônomos.

“É incrível que nosso software usado para procurar planetas que podem abrigar vida fora do sistema solar possa agora ser usado para ajudar vidas de pacientes de câncer aqui na Terra”

“Os astrônomos desenvolveram uma grande caixa de ferramentas de análises de imagens para diferentes problemas que encontram”, diz. “Eles tipicamente identificam e descrevem estrelas e planetas, mas se você parar para pensar, esses objetos são, em certo sentido, parecidos com as células de câncer que estamos interessados. Eles usam programas para procurar características comuns a esses objetos em meio a trilhões de astros. Nós fazemos a mesma coisa com as células de câncer.”

O astrônomo Nicholas Walton, que ajudou Ali a adaptar o programa de identificação de astros, se diz satisfeito com a colaboração interdisciplinar. “É incrível que nosso software usado para procurar planetas que podem abrigar vida fora do sistema solar possa agora ser usado para ajudar vidas de pacientes de câncer aqui na Terra.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line