Do mamão para os cosméticos

Uma substância extraída das folhas e frutos verdes do mamão promete ser a mais nova aliada de quem costuma retirar pêlos indesejados do corpo. Trata-se da papaína, cujos efeitos depilatórios foram recentemente comprovados em laboratório com bons resultados: além de reagir com uma proteína do pêlo de forma a dissolvê-lo, como as demais substâncias usadas em produtos do gênero, a papaína age sobre o folículo piloso — estrutura da pele onde nasce o pêlo.

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A papaína, extraída do mamão, já é adotada em hospitais para promover a cicatrização de lesões abertas, propriedade descoberta há mais de dez anos na USP (foto: Embrapa)

“Uma aplicação contínua do creme à base de papaína deve, em longo prazo, diminuir a densidade de pêlos na região tratada”, diz o farmacêutico Eduardo Traversa, responsável pelo estudo. A nova fórmula tem o cheiro menos desagradável que o das loções do mercado e promete ser menos irritante para a pele. A pesquisa foi tema de sua dissertação de mestrado defendida em fevereiro na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo Traversa, já havia sido descrito o efeito da papaína sobre a proteína que compõe o pêlo dos mamíferos — a queratina. No entanto, não havia estudos que comprovassem esse efeito em testes. Com esse objetivo, ele formulou um creme com 0,8% de papaína e verificou suas propriedades. Nos experimentos realizados, um grama do produto foi aplicado diariamente, durante 30 dias, em uma pequena área do dorso de dez camundongos.

Ao final do período, Traversa constatou que 100% dos animais apresentavam visivelmente menor densidade de pêlos na região do corpo que recebeu o creme. Além disso, em análise microscópica, o pesquisador notou o aumento da espessura da pele dos camundongos e a dilatação do folículo piloso, o que dificulta o aparecimento de novos pêlos. “Os resultados foram satisfatórios, mas ainda são necessários testes para comprovar se o efeito depilatório da papaína será o mesmo em seres humanos”, lembra.

A nova fórmula apresenta outras vantagens sobre os depilatórios convencionais: seu índice de acidez (pH) é equivalente ao da pele humana (em torno de 5,5). Traversa analisou o pH das loções comuns e constatou que a maioria apresenta um valor elevado (entre 11 e 12), extremamente irritante à pele. Ele explica que essas loções são capazes de interagir com a queratina da pele, além de reagirem com a queratina dos pêlos, como devem fazer. “Essa interação pode provocar coceira e vermelhidão”, alerta.

Como mostram os primeiros testes, a ação do composto de Traversa sobre os pêlos é mais branda, embora seja suficiente para dissolvê-los — é provável que isso minimize os efeitos sobre a pele. Além disso, o creme de papaína não contém tioglicolatos — essa substância sintética, presente nas loções depilatórias convencionais, é parcialmente responsável por seu mau cheiro característico.

“Certamente o creme de papaína será uma opção mais segura para os consumidores”, aposta Traversa. Apesar dos resultados positivos em camundongos, os pesquisadores ainda aguardam suporte financeiro para iniciar os testes em seres humanos.

Maria Ganem
Ciência Hoje on-line
09/07/03