Doces e sonolentas lembranças


Estudo realizado no Instituto Internacional de Neurociências de Natal obteve evidências de que o sono está envolvido na consolidação das memórias. (foto: Jocilyn Pope).

Estudos feitos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros mostraram que o sono e a glicose exercem um papel importante na formação de memórias de longo prazo. O sono fixa as memórias e promove conexões destas com outras mais antigas. A glicose inicia um processo no cérebro que ativa genes que também atuam na consolidação de memórias. As conclusões foram apresentadas durante simpósio realizado hoje na 22ª Reunião da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), em Águas de Lindóia (São Paulo).

Quando ficamos mais velhos, lembramos de memórias antigas com mais facilidade do que de recentes. Além disso, elas estão associadas a muitas outras memórias. “Quando alguém diz ‘rosa’, podemos nos lembrar de uma flor, um nome, um escritor, um compositor e assim por diante. É algo que ocorre em adultos e não em crianças, justamente porque não houve tempo para que elas tenham essa ancoragem da informação no córtex cerebral”, explica o neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmund e Lily Safra (IINNELS).

Esse fenômeno de ancoragem já é conhecido da neurociência desde 1957. Uma memória episódica (um nome, um evento, uma face etc.) é registrada em uma região do cérebro chamada hipocampo, e depois migra para o córtex, aonde vai sendo reforçada e estabelecendo conexões. “O que mostramos agora, pela primeira vez, é que o sono, tanto o de ondas curtas quanto o do movimento rápido de olhos (REM, na sigla em inglês), no qual acontecem os sonhos, é importante para o processo”, conta Ribeiro.

Segundo ele, no sono de ondas curtas há uma reverberação da memória, uma espécie de reforço. Já no REM, há a ativação de vários genes ligados à consolidação desta. “A cada ciclo de sono, a memória vai ficando mais ancorada no córtex”, afirma o diretor científico do IINNELS. Os resultados foram obtidos a partir de experimentos feitos com ratos. Após colocar e retirar os ratos de um ambiente com objetos para exploração, os pesquisadores monitoraram as ondas cerebrais dos animais nos estados de vigília e sono. Essa é a primeira evidência eletrofisiológica do processo de ancoragem.

Do fígado para o cérebro
O neurocientista Paul Gold, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, também destaca a perda da capacidade de recordar memórias recentes à medida que a idade avança. “É comum idosos se lembrarem de histórias da juventude com perfeição e as contarem todo dia, pois não se lembram de o terem feito antes”, diz. Para ele, o problema pode estar no fígado e não no cérebro.

Quando temos uma experiência nova, o corpo produz o hormônio epinefrina, que faz com que o fígado libere glicose. Esse açúcar é usado pelo cérebro para ativar neurotransmissores, como a noraepinefrina e a acetilcolina, que, por sua vez, ligam genes responsáveis pela consolidação das memórias. “Quando ficamos velhos, ainda produzimos o hormônio, mas não há liberação de glicose no sangue. Ainda registramos a memória, mas ela não é fixada; por isso a esquecemos”, revela Gold.

Experimentos com idosos que beberam limonada com glicose e tiveram que se lembrar de um conto mostraram um aumento da capacidade de lembrança. Já pacientes com mal de Alzheimer dobraram sua habilidade de recordação de 20% para 40% da observada em uma pessoa sadia. Apesar dos resultados, Gold não acredita que o açúcar venha a se tornar um tratamento. “É mais provável que o mecanismo pelo qual a glicose age seja o alvo dessa pesquisa”, conclui o neurocientista.

Fred Furtado
Especial para Ciência Hoje On-line
23/08/2007

* O repórter viajou para Águas de Lindóia a convite da Fesbe