É possível a convivência pacífica entre ciência e religião?

O norte-americano Stephen Jay Gould, famoso paleontólogo e divulgador científico morto no início de 2002, acreditava que ciência e religião não deveriam ser matérias conflitantes. Em um de seus últimos trabalhos, o livro Pilares do tempo , o cientista trata do embate que inquieta pensadores desde o Renascimento. Ele afirma que é possível encontrar um equilíbrio entre ambas, ao invés de ter que fazer uma opção entre uma e outra. A ciência deve definir o mundo natural, e a religião, o universo moral. O debate, segundo o autor, só existe na mente e nas práticas sociais das pessoas, não na lógica ou na utilidade desses dois assuntos “inteiramente diferentes e igualmente vitais”.

Para defender sua idéia, Gould usa um princípio que chama de MNI (magistérios não-interferentes). Segundo ele, esse conceito permite que ciência e religião coexistam pacificamente. Para isso, basta que cada uma reconheça seu próprio terreno e que ambas se respeitem mutuamente. Além disso, a consciência de que respostas às grandes dúvidas do homem exigem contribuições de ambos os lados geraria debates produtivos e respeito pelas diferenças. “Sou da mesma opinião de quase todas as pessoas de boa índole ao desejar ver duas instituições antigas e estimadas coexistindo em paz”, diz o autor.

Para elaborar e explicar o conceito dos MNI, Gould examina a história da ciência e explica como surgiu a rivalidade já antiga. Descobertas científicas como o universo heliocêntrico de Galileu (que comprovou uma teoria anterior de Copérnico) e, mais tarde, o evolucionismo de Darwin abalaram o poder político da Igreja Católica ao contradizer dogmas há muito defendidos por ela (no caso, o universo geocêntrico e o criacionismo).

Os católicos reagiram prontamente: Galileu foi julgado e obrigado a se retratar em 1633, fato que se tornou um dos símbolos primários da ‘guerra’ entre ciência e religião, citado quase automaticamente em qualquer discussão sobre o assunto. A teoria de Darwin também foi muito atacada e seu ensino nas escolas chegou a ser proibido em alguns estados mais conservadores dos EUA no início da década de 1920, proibição que só foi revogada pela Suprema Corte em 1987.

A interpretação literal da Bíblia também ajudou a criar os conflitos entre ciência e religião. A crença de que um deus criou a Terra para nos abrigar e todas as outras espécies para nos servir pode ser muito alentadora, embora contrarie consensos científicos que poucos ousam desafiar. Mas a Bíblia, inspirada em tantas fontes diferentes, não pode ser entendida como um relato preciso da história humana ou uma descrição perfeita da natureza, apesar de estar repleta de verdades morais valiosas e incontestáveis.

Pilares do tempo é um protesto contra a intransigência e a intolerância de fundamentalistas, sejam religiosos ou cientistas. A leitura é fácil e agradável para leigos que se interessem pelo assunto, apesar de algumas frases muito longas que podem confundir o leitor.

 

Pilares do tempo – ciência e religião
na plenitude da vida

Stephen Jay Gould (trad.: F. Rangel)
Rio de Janeiro, 2002, Rocco
188 páginas – R$ 25

Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
10/01/03