É possível produzir ‘gotas’ de luz, sugere estudo teórico

 É possível converter luz em líquido? Por mais estranho que possa parecer, talvez a resposta seja sim. Segundo cientistas da Universidade de Vigo (Espanha), transformar raios laser em ‘gotas’ de luz não é uma idéia tão absurda quanto se imagina. Por meio de equações matemáticas e simulações em computador, eles mostraram que, em teoria, é possível produzir ‘luz líquida’. O estudo, publicado em junho na revista Physical Review E , poderia ajudar a desenvolver um novo tipo de computador que, ao invés dos tradicionais circuitos eletrônicos, teria circuitos ópticos e, assim, seria bem mais veloz que as máquinas atuais.

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Simulação de computador mostra que uma ‘gota’de luz produziria ‘respingos’
ao se chocar contra uma superfície (imagens: Universidade de Vigo)

Existem duas formas de descrever a luz: como uma onda eletromagnética ou como um conjunto de fótons — partículas elementares que transmitem interações eletromagnéticas e não têm massa nem carga. Tanto os fótons em um feixe de luz quanto as moléculas em um gás se movem aleatoriamente. Segundo os cientistas espanhóis, esse comportamento análogo de fótons e moléculas gasosas permitiria que a luz (tal como a conhecemos) seja considerada um gás. E, como todo gás, ela poderia ser condensada e se tornar líquida.

Moléculas gasosas se encontram afastadas umas das outras e quase não interagem entre si. Ao passar para o estado líquido, elas se aproximam e interagem mais fortemente. Assim, para produzir ‘luz líquida’, seria necessário encontrar uma maneira de aproximar os fótons de um feixe e fazê-los interagir.

O método proposto no artigo consiste em fazer raios laser atravessarem um material que reduz a velocidade da luz no meio de modo inversamente proporcional à intensidade do feixe (esse material faria com que os fótons convergissem e, portanto, interagissem mais fortemente). Simulações feitas em computador sugerem que raios laser que atravessassem um material como esse se converteriam em ‘gotas’ de luz. Ao verificar as propriedades dessas ‘gotas’, os cientistas constataram que elas realmente se comportariam como um líquido.

A ‘luz líquida’ ainda não foi demonstrada na prática. “Ainda não se sabe quando os experimentos em laboratório vão começar”, afirma à CH on-line o físico Humberto Michinel, principal autor do estudo. Os cientistas procuram agora materiais capazes de condensar o feixe de fótons. “Os materiais que temos hoje requerem um laser de potência muito alta, da ordem de 10 9 watts.”

A necessidade de uma intensidade tão elevada constitui um obstáculo à construção de computadores ópticos. O processamento de dados nessas máquinas dependeria de fótons, partículas mais velozes que os elétrons usados nos computadores atuais. Porém, fótons se espalham com facilidade e acabam por perder as informações que transportam. Caso eles estivessem no ‘estado líquido’, se dispersariam menos e poderiam ser mais facilmente manipulados.

Contudo, desenvolver a computação óptica não seria o único mérito da ‘luz líquida’. “A conseqüência mais importante seria a obtenção de um novo estado da matéria: isso já seria por si só uma conquista considerável”, diz Michinel.

Fernanda Marques
Ciência Hoje on-line
30/07/02