Efeito colateral

O excesso de açúcar não é mais o único problema de alguns medicamentos usados para combater sintomas de rinite alérgica (coriza, espirros e prurido nasal) em crianças. Estudo realizado pela odontopediatra gaúcha Carolina Covolo da Costa revelou que, além de favorecer o aparecimento de cáries, os xaropes provocam também o desgaste dos dentes devido ao seu baixo pH – e, conseqüentemente, ao seu elevado nível de acidez.

A pesquisa, que resultou na tese de doutorado que a dentista defendeu na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), rendeu artigos publicados no início deste ano. Em julho último o trabalho apareceu na revista de odontologia General Dentistry , uma das mais importantes do mundo na área, e foi divulgado em outras publicações especializadas dos Estados Unidos, Japão, França e Inglaterra.

Durante duas semanas, Carolina ministrou em dentes de leite doses do xarope Claritin D, o mais vendido na cidade de Florianópolis, equivalentes às receitadas pelos médicos. A cada 12 horas, a dentista submeteu, em laboratório, dentes de leite de crianças de até 12 anos aos efeitos do medicamento – simulando, in vitro , as características bucais, incluindo a saliva. Ao fim de 15 dias, ela verificou que os dentes apresentaram corrosão no esmalte, o que aumenta a sensibilidade à variação de temperatura dos alimentos e pode causar dores agudas.

Fotomicrografias (feitas em microscópio eletrônico de varredura) de um dente cujo esmalte foi comprometido pelo uso do xarope Clartin D (esquerda) e de um dente sadio (direita), não submetido ao medicamento (fotos: Carolina C. da Costa).

“Embora o estudo tenha sido realizado com o Claritin D, é importante lembrar que xaropes receitados com idêntica finalidade apresentam a mesma fórmula”, ressaltou Carolina. “Por isso, podemos considerar que todos têm o mesmo efeito na dentição infantil”, concluiu a dentista, que mantêm um consultório na cidade de Santa Maria (RS) e também atende no hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Foi observando as queixas de seus pacientes que a dentista começou a relacionar a sensibilidade dentária ao tratamento com drogas antialérgicas.

Para a Schering-Plough, fabricante do Claritin D, a tese apresentada por Carolina só encontra respaldo quando não há escovação dos dentes depois de usar o medicamento. Como o xarope deve ser tomado de 12 em 12 horas, geralmente a criança o ingere no meio da noite ou quando já está na cama, não fazendo a higiene bucal posteriormente. “Sabe-se que os xaropes são soluções açucaradas que podem, sim, aumentar a incidência de problemas dentários, se não for feita uma limpeza da boca após sua ingestão”, explica a empresa em nota enviada à reportagem da CH On-line .

Remoção do esmalte
Embora concorde que a limpeza bucal depois da ingestão de xaropes possa reduzir ou até mesmo eliminar os efeitos nocivos aos dentes, Carolina não aponta o uso do remédio seguido pela escovação como a melhor opção a se adotar. “A escovação feita logo após o uso de medicamento ácido pode remover ainda mais o esmalte do dente, que já se encontra fragilizado. A melhor opção seria um bochecho com flúor”, aconselha.

Também de acordo com a nota da Schering-Plough, o fator acidez não é inerente ao Claritin D, mas uma conseqüência da grande quantidade de açúcar contida no medicamento, o que acaba diminuindo o pH bucal. “Embora o Claritin D tenha sido o exemplo utilizado pela pesquisadora, o problema não é específico do produto. A situação se aplica a qualquer substância que contenha açúcar em sua composição, seja alimento, bebida ou medicamento”, diz a nota.

Mas, para a dentista, o excesso de açúcar em medicamentos que combatem alergias é um problema que poderia ser contornado. Ela lembra que, enquanto o Claritin D contém cerca de 30% de açúcar, na Europa esse tipo de medicamento é desprovido da substância. “Até mesmo no Brasil, alguns genéricos que estão no mercado não contêm açúcar em sua fórmula”, conta.

Segundo Carolina, seu estudo mostra que o mais importante para evitar problemas dentários não é que as crianças parem de tomar xarope, mas que os pais fiquem atentos aos horários em que ele é administrado e cuidem da higiene bucal dos filhos após o uso da medicação. “Também é interessante que, durante o tratamento, a criança faça uma dieta que não envolva excesso de refrigerantes e sucos ácidos, por exemplo”, finaliza a dentista. 

Sandoval Poletto
Especial para a CH On-line / PR
16/08/2006