Ensaio contra a cegueira

Um homem observa atenciosamente o rosto de sua esposa e percebe que, quando sorri, os cantos de sua boca elevam-se. “É possível ver seus dentes com nitidez, cada um em seu lugar”, diz ele. Pode parecer romantismo, mas o encanto por um sorriso tem razões mais profundas. Cego há quase dez anos, o marido recuperou parte da visão graças a uma prótese de retina criada por pesquisadores alemães.

Em estudo publicado na Proceedings of the Royal Society, a equipe testou a eficácia da prótese em oito pessoas com retinite pigmentosa. Hereditária e sem tratamento, a doença destrói progressivamente células da retina chamadas cones e bastonetes, causando perda da visão na idade adulta.

O dispositivo consiste em um chip com três milímetros de largura que, por ainda estar em fase de pesquisa, foi implantado em apenas um dos olhos de cada voluntário. Segundo os participantes, a prótese tornou possível a visão de uma imagem semelhante a das televisões de antigamente – turva e em preto e branco.

Prótese de retina
A prótese é formada por um chip implantado na retina que, através de um fio que passa por baixo da pele, se liga à uma bobina localizada atrás da orelha. Por sua vez, a bobina é alimentada por uma bateria sem fio. (foto: Retina Implant AG)

Segundo a médica Katarína Štingl, da Universidade de Tubinga, na Alemanha, e coautora do estudo, a eficácia da prótese passou por vários testes. “No mais simples, uma tela de computador emitia uma luz branca e todos os voluntários conseguiram enxergá-la”, diz a médica. Em outro teste, a tela mostrava listras verticais e horizontais. “A orientação das listras foi determinada corretamente por seis dos oito voluntários”, completa.

Além disso, cinco voluntários foram bem-sucedidos em testes que avaliaram a percepção de movimento de pontos luminosos na tela. Em avaliações mais complexas, três participantes conseguiram identificar diversas letras do alfabeto.

Resultados ainda mais surpreendentes foram obtidos fora do laboratório. Em situações cotidianas, além de enxergar rostos de familiares, os voluntários voltaram a ver detalhes de roupas e objetos como telefone, óculos e talheres. “Alguns conseguiram ver as luzes da cidade, carros em movimento, e um deles chegou a ler letreiros de lojas”, conta Štingl.

Semelhante ao natural

A médica explica que a prótese funciona de modo semelhante aos cones e bastonetes destruídos pela retinite. Tais células convertem a luz que chega aos olhos em estímulo elétrico, que por sua vez é enviado por neurônios da retina até o cérebro. “O chip traduz a luz em uma linguagem compreendida pelo cérebro para que ele reconheça a imagem”, explica.

A conversão de luz em estímulo elétrico é possível graças aos 1.500 fotodiodos que compõem o chip. Esses componentes eletrônicos – também usados em painéis solares para converter a luz do Sol em energia elétrica – permitem que o dispositivo registre de 5 a 7 imagens por segundo. Junto a cada fotodiodo, o chip contém um eletrodo e um sistema que amplifica o sinal elétrico que será enviado ao cérebro.

Confira abaixo uma animação que mostra como a prótese funciona

Outras próteses de retina já foram desenvolvidas anteriormente e uma delas, batizada de Argus II, já foi aprovada pela FDA, agência que regulamenta alimentos e remédios nos Estados Unidos. No entanto, Štingl explica que o dispositivo criado por sua equipe é mais eficiente e oferece maior independência ao usuário.

A Argus II exige que a pessoa cega use um par de óculos, que capta imagens e as envia para o implante de retina. Já a prótese alemã não precisa de aparatos externos e é alimentada por uma bateria sem fio que fica nas mãos do usuário. Ela permite, ainda, o controle de brilho e contraste da imagem visualizada. Além disso, a Argus II possui 60 eletrodos, perdendo em eficiência para o dispositivo alemão, que conta com 1.500.

Em nome da segurança

Atualmente, a equipe alemã avalia a segurança da prótese para a saúde do usuário. Štingl explica que esse é o primeiro ensaio feito em humanos e, inicialmente, o estudo era composto por nove participantes. “Um deles teve o nervo óptico prejudicado durante o implante e teve que sair da pesquisa”, diz a pesquisadora.

Outro voluntário sofreu um sangramento na região do implante, mas foi medicado e participou dos testes com sucesso. 

“Poder enxergar em preto e branco já é uma grande conquista para os portadores de retinite e agora estamos buscando melhorias para colocar a prótese no mercado”

Agora, a equipe se prepara para o segundo ensaio clínico e pretende publicar um estudo sobre a segurança do produto. “Ainda é difícil dizer quando o implante estará disponível, mas estamos avançando”, diz.

Mesmo que a prótese não recupere a identificação das cores, a médica declara que os resultados do estudo representam um avanço grandioso. “Poder enxergar em preto e branco já é uma grande conquista para os portadores de retinite e agora estamos buscando melhorias para colocar a prótese no mercado”, adiciona.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line