Duas espécies de coral invasoras identificadas em Ilha Grande: Tubastraea tagusensis (amarela) e T. coccinea (laranja). Clique na imagem para ler uma reportagem sobre a ocorrência dessas espécies (foto: Joel Creed).
Pegando carona em cascos de navios, plataformas de petróleo e até mesmo em garrafas plásticas, variadas espécies marinhas invadiram a costa brasileira desde os tempos das Grandes Navegações. Os danos à biodiversidade, economia e saúde da população do país são tantos que tiveram como conseqüência a organização do I Simpósio Brasileiro sobre Espécies Exóticas e Invasoras. Entre os dias 5 e 7 de outubro, biólogos brasileiros e estrangeiros se reuniram em Brasília para discutir e apresentar trabalhos sobre o tema.
Entre os problemas ocasionados à natureza e à economia, podemos citar a competição com outras espécies, que pode causar prejuízos na pesca, e a floração de microalgas (popularmente conhecida como maré vermelha). Neste último caso, a ação do homem, lançando esgoto sem tratamento em mares e lagoas, colabora para a proliferação das algas, que utilizam os nutrientes do esgoto orgânico. Já entre os problemas de saúde, destaca-se a contaminação de seres humanos via ingestão de mexilhões que se alimentam de algas produtoras de toxinas.
A oceanógrafa da Universidade de Taubaté (Unitau), Maria Célia Villac, palestrante do simpósio, explica que há dois tipos de invasões biológicas marinhas: as intencionais e as não intencionais. Segundo ela, a primeira categoria, minoritária, corresponde basicamente ao cultivo de mariscos, ostras e macroalgas (aquacultura), invertebrados e peixes ornamentais (aquariofilia). “O controle deste tipo de introdução pode ser direcionado, afinal as leis existem para controlar a introdução indiscriminada da importação de espécies exóticas e só precisam ser cumpridas.”
Para Villac, as invasões não-intencionais são mais complexas de serem minimizadas, pois envolvem questões econômicas e ambientais e diferentes legislações ao redor do mundo, além de ocorrerem de diversas formas. Ela explica que a grande maioria das invasões desse tipo ocorre através da água de lastro (a água utilizada em porões para manter a estabilidade de navios) ou por bioincrustação, ou seja, por organismos que grudam em cascos de navios ou em plataformas de petróleo e são transportados para diferentes portos ao redor do mundo, onde podem se fixar. Para tentar impedir esse fenômeno, houve um tempo que os cascos das embarcações eram pintados com tinta antiincrustante. Porém, essa tinta era altamente tóxica e seu uso foi proibido.
A medida a ser tomada, segundo Villac, é prevenir a invasão de novas espécies em vez de tentar eliminar as já fixadas por aqui. ”É muito difícil erradicar um animal invasor”, afirma. “Contam-se nos dedos as espécies marinhas que foram removidas com sucesso no mundo.” Em 2004, a Organização Marítima Internacional elaborou uma convenção sobre água de lastro para controlar o transporte de espécies aquáticas em escala mundial. No entanto, a medida ainda não entrou em vigor – enquanto isso, alguns dos países signatários já estão tomando medidas unilaterais.
Embora comum na mesa dos brasileiros em iguarias como o caldo de sururu, o mexilhão Perna perna é uma espécie invasora introduzida no Brasil provavelmente em navios negreiros (foto: USGS / Florida Integrated Science Center)
A oceanógrafa integra um grupo de pesquisa que elaborou um levantamento sobre as espécies introduzidas no país. Segundo os cálculos da equipe, que estão atualmente em revisão, aproximadamente 55 espécies marinhas já invadiram a costa do Brasil. Entre elas, há espécies recentes, que chegaram aqui nas décadas de 1970 e 1980, e animais como o mexilhão Perna perna , que, apesar de bastante comum, inclusive na mesa dos brasileiros, deve ter aportado no país grudado em navios negreiros.
As espécies foram divididas em três grupos, de acordo com a situação da introdução. Se a espécie só for encontrada em uma localidade no Brasil, é classificada como detectada. Se for identificada em outros locais do país, é tida como estabelecida. Mas se for comprovado que o organismo ocupa grandes áreas e causa danos ao meio ambiente, à saúde e à economia, ele é considerado invasor.
Traçar o local exato de origem das espécies é um processo complexo. Porém, sabe-se que a maioria vem do Indo-Pacífico, local de grande biodiversidade. No Brasil, porém, as migrações externas correspondem a apenas uma parte do problema. Como o país tem dimensões continentais e possui diferentes ecossistemas, um animal que sai da costa do Nordeste e chega ao Sul pode causar danos tremendos ao meio ambiente de destino, completamente diferente ao seu. “A mesma legislação que existe para o controle e manejo da introdução de espécies de outras regiões do mundo deve ser aplicada para a translocação de espécies dentro de nosso próprio território”, avalia Villac.
Júlio Molica
Ciência Hoje On-line
24/10/05