Esqueceram de mim

Clima, hidrologia, química da água e vegetação superior são os parâmetros propostos por pesquisadores de diversas instituições para uma nova classificação das águas da Amazônia. Aplicados de forma hierárquica, eles ajudariam na elaboração de ações para o uso sustentável dos recursos da região – algo que, segundo cientistas, tem sido negligenciado pelo poder público.

“Há uma grande variedade de áreas úmidas e para quem não ‘está por dentro’ parece uma grande confusão”, diz Wolfgang Johannes Junk. O limnólogo, pesquisador visitante da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), é autor da nova proposta de classificação dessas áreas, apresentada no fim de abril (26/4), em encontro no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

“Há uma grande variedade de áreas úmidas e para quem não ‘está por dentro’ parece uma grande confusão”

De acordo com a nova classificação, o clima estaria em primeiro plano, uma vez que influencia todos os outros parâmetros. Em seguida, a hidrologia dividiria as áreas úmidas de acordo com a periodicidade dos pulsos de inundação (uma seca e uma cheia por ano ou várias secas e cheias anuais) e com o grau de previsibilidade desses pulsos.

O parâmetro químico classificaria as águas de acordo com os nutrientes. Por fim, as áreas úmidas seriam descritas de acordo com as espécies que crescem sobre elas.

Incertezas e descaso

Junk estima que 30% das terras baixas da Amazônia sejam áreas úmidas, mas admite que o valor é extremamente incerto. Para calcular a área dos igarapés, por exemplo, o pesquisador usou dados recolhidos por agrônomos durante a implantação da Zona Franca de Manaus, na década de 1950.

“Peguei os mapas e andei dias e dias com mateiros. Assim, cheguei ao valor de 1 milhão de km2 associados aos igarapés e pequenos rios. Mas esses número é praticamente um chute, assim como os 25 mil km2 de áreas úmidas sob influência das marés.”

Igapó
Vista de um igapó, floresta inundada por águas transparentes ou pretas. (foto: Renata Schmitt)

O “chute” do pesquisador reflete o descaso com que as áreas úmidas brasileiras têm sido tratadas. Pesquisadores presentes ao encontro afirmaram que não há legislação que regule o uso dessas áreas e que mesmo os chamados sítios Ramsar – locais de extrema importância identificados pela Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, ou Convenção de Ramsar, da qual o Brasil é signatário – são pouco protegidos.

“Estimo que 20% do país seja constituído de áreas úmidas, mas na Constituição não encontramos nem uma vez o termo área úmida; é uma lacuna imensa”, diz Junk.  

O pesquisador enumera os principais problemas das zonas úmidas brasileiras, que vão da construção de hidrovias e canais de navegação a problemas decorrentes da agricultura, criação de gado e camarão.

Ele lamenta que a falta de legislação adequada impeça o reconhecimento dos serviços ambientais prestados por essas áreas bem como a realização de atividades como pesca ornamental e turismo com parâmetros sustentáveis. “Perdemos valores ecológicos e econômicos”, alerta o pesquisador da UFMT.

O objetivo do encontro era justamente contornar esse tipo de situação.

Mariana Ferraz
Ciência Hoje On-line/ AM