Estímulo aos transtornos alimentares

 

Para se enquadrar em um modelo de beleza, meninas cada vez mais novas fazem de tudo para emagrecer. Muitas acabam induzindo o vômito ou simplesmente deixando de comer – sintomas da bulimia e da anorexia. Agora os transtornos alimentares têm mais um aliado: a internet. Um recente estudo realizado por uma pesquisadora do Instituto Fernandes Figueira (IFF), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra como os diários virtuais (chamados blogs ) estimulam essas doenças e disseminam a idéia de orgulho e adoração entre as pacientes.

Página inicial da organização não governamental Seu Abrigo, que conduziu no Brasil o estudo sobre como alguns blogs fazem a apologia à anorexia e à bulimia (reprodução).

Durante seis meses, a psicóloga Ana Helena Rotta Soares analisou 50 blogs brasileiros pró-anorexia ou pró-bulimia, feitos e visitados em sua maioria por meninas entre 14 e 17 anos. A pesquisadora acompanhou nesses diários o comportamento das pacientes de transtornos alimentares.

“Em alguns blogs a anorexia se transforma em uma divindade, uma deusa que dita suas leis com a promessa de um sentido maior para a vida de seus seguidores”, conta a psicóloga. “’Ana’, como as internautas se referem à anorexia, é a divindade principal e a transferência da experiência da doença para algo característico de uma religião pode dar lugar a demonstrações extremas de adesão e fanatismo”, alerta.

Com muitas fotos de modelos famosas, as páginas reúnem meninas que, excluídas na escola e em outros meios sociais, se sentem parte de um grupo. Segundo Rotta Soares, nas páginas existem disputas por popularidade: as competições de calorias. Nelas, há uma monitora e todas as participantes publicam em seus blogs quantas calorias consumiram durante o dia, por períodos que podem ser de uma semana, dez dias ou até mais. “Quem comer menos vence a competição e ganha fama no meio virtual.”

Surgem então as celebridades. “São meninas que já estão em uma fase avançada da doença e servem de exemplo para as outras, dando dicas de onde conseguir remédios sem receita ou como enganar pais e professores”, diz a autora do estudo. Agindo como ‘mentoras’ das mais novas, elas reforçam comportamentos que são, na verdade, sintomas de uma doença que atinge cerca de 1% da população e pode levar à morte. Para a pesquisadora, essas iniciativas – que tratam a doença como um estilo de vida – são como um catalisador para quem já tem tendências à bulimia ou anorexia. “Não acredito que a internet cause essas doenças”, ressalta.

Espanha e América Latina
O estudo foi uma iniciativa da ONG espanhola Protegeles (‘Proteja-os’, em espanhol), que, com o objetivo proteger crianças e adolescentes dos perigos da tecnologia, conduziu um levantamento semelhante em seu país e em parte da América Latina. A ONG brasileira Seu Abrigo, na qual Rotta Soares também trabalha, foi responsável pela pesquisa no Brasil. Na fase inicial do estudo, foram mapeadas 120 comunidades que incentivam transtornos alimentares em uma página de relacionamentos na internet.

Segundo a psicóloga, a diferença entre as manifestações virtuais pró-anorexia e pró-bulimia brasileiras e as espanholas está na forma como o obeso é estigmatizado. “Os blogs brasileiros ofendem e ridicularizam quem é gordo, visto como preguiçoso. Em contrapartida, a anorexia torna-se sinônimo de autocontrole e disciplina.” Já no caso dos blogs europeus, o gordo não é tão humilhado, exposto e estigmatizado.

A pesquisadora explica que as conseqüências desse tipo de manifestação virtual podem ser grandes. Segundo ela, o movimento pró-anorexia retarda a procura por tratamento e divulga informações erradas. “As visitantes dessas páginas aprendem a agir como se o transtorno alimentar não fosse uma doença, e por isso não procuram ajuda, agravando seus quadros e contribuindo para tornar crônicos os transtornos.”

Para ajudar pais e educadores na hora de reconhecer os sintomas da anorexia, as ONGs Protegeles e Seu Abrigo criaram uma página na internet nos mesmos moldes de um blog adolescente. Nela, meninas que sofrem da doença podem se informar sobre os riscos do uso de medicamentos sem prescrição médica e de jejuns prolongados, além de procurar ajuda. Antes, porém, elas precisam reconhecer que estão doentes.

Fernanda Alves
Especial para a CH On-line
09/10/2007