Estudo de brasileiro reconsidera evolução de serpentes

Quando e como as serpentes se diferenciaram na história evolutiva? A questão pode estar longe de ser resolvida, segundo Hussam Zaher, pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. A partir da análise de um fóssil de 95 milhões de anos que apresenta patas posteriores bem desenvolvidas, o especialista em serpentes rejeitou as evidências que sustentavam a hipótese de uma origem marinha desse grupo — um consenso entre a comunidade científica nos últimos anos. O estudo de Zaher sugere um cenário evolutivo em que as serpentes teriam derivado de um ancestral terrestre e possivelmente cavador (chamado fossorial ). A perda das patas nas serpentes atuais deveu-se provavelmente a pressões adaptativas do ambiente.

Fóssil da Haasiophis terrasanctus, serpente com patas
que viveu há 95 milhões de anos

A primeira cobra com patas foi encontrada nos anos 1960 em Israel. O paleontólogo George Haas estudou a espécie e em 1970 descobriu um segundo fóssil. Embora ambos fossem semelhantes, ele os classificou em duas espécies distintas: Ophiomorphus colberti e Pachyrhachis problematicus . Em 1997, Michael Caldwell e Michael Lee afirmaram que os dois fósseis pertenciam na verdade a uma única espécie: a P. problematicus. Segundo eles, ela teria origem no ambiente marinho e seria o elo entre os extintos lagartos dos mares (mosassauros) e as serpentes.

Zaher, no entanto, discorda de Caldwell e Lee. “Essa espécie não é um intermediário e não veio de um ancestral marinho”, diz. “Ela é mais evoluída do que pensávamos, proximamente relacionada a um grupo de cobras atuais, as macrostomatas, e tem patas desenvolvidas.” A conclusão do brasileiro foi comprovada pelo estudo de um terceiro fóssil de serpente com patas, encontrado junto com a P. problematicus . Em 1999, com autorização da Universidade Hebraica de Jerusalém, ele analisou o animal junto com Olivier Rieppel, curador de fósseis do Museu Field de História Natural, de Chicago (EUA). Os resultados foram publicados em 2000 na revista Science.

Com pouco mais de 70 centímetros, a serpente, classificada em uma nova espécie ( Haasiophis terrasanctus ), apresentava dentição especializada no céu da boca e alta mobilidade da mandíbula, que permitiam a captura de presas maiores que o diâmetro de sua cabeça (como ocorre hoje com a cascavel, a jibóia e a píton). Para Zaher, as similaridades com os mosassauros são superficiais. “Tanto a H. terrasanctus quanto a P. problematicus não são espécies primitivas”, diz.

“As cobras devem ter apresentado patas posteriores bem desenvolvidas até pelo menos a segunda metade do período Cretáceo, há 95 milhões de anos. A partir daí, reduziram-nas independentemente nas diversas linhagens que levaram às serpentes atuais”, comenta Zaher. A redução deveu-se a pressões seletivas, pois elas se tornaram fossoriais. “Elas utilizavam o crânio como o elemento funcional para perfurar o solo”, diz. “Isso fez com que o corpo se alongasse e as patas fossem reduzidas.” Já as patas dianteiras desapareceram alguns milhões de anos antes das posteriores, por mecanismos genéticos distintos. Porém, segundo ele, vestígios de patas são encontrados na maioria das linhagens atuais de cobras.

Juliana Martins
Ciência Hoje On-line
08/01/03