Uma descoberta surpreendente traz novidades sobre a origem da fauna de répteis e anfíbios do cerrado. As espécies endêmicas da região são mais aparentadas com as espécies do Chaco (bioma do Paraguai, Bolívia e norte da Argentina) do que com as da caatinga, e podem ser alguns milhões de anos mais antigas do que se supunha.
O lagarto da espécie Kentropyx vanzoi , endêmico do cerrado,
teve um ancestral comum com espécies do mesmo gênero
endêmicas do Chaco e Pantanal (fotos: Guarino Colli)
As revelações foram feitas em um estudo realizado pelo Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB) e apresentado no 15o Congresso Brasileiro de Zoologia, realizado em fevereiro nessa instituição. As descobertas devem provocar mudanças na compreensão do processo de evolução da herpetofauna do cerrado (que inclui répteis e anfíbios).
Acreditava-se até então que a diferenciação das espécies do cerrado tivesse ocorrido há menos de 45 mil anos. O coordenador da pesquisa, professor Guarino Colli, disse à CH On-line que a diferenciação se deu muito antes disso. “Os indícios encontrados apontam que a maioria das espécies modernas se originou no período Terciário, compreendido entre 65 milhões e 1,7 milhão de anos atrás.”
Segundo ele, eventos climáticos e geológicos tiveram papel fundamental no aparecimento dessas espécies. “Espécies que habitavam uma extensa área do sul ao nordeste da América do Sul começaram a se diferenciar, devido a variações climáticas ocorridas já no início do período. A formação de paisagens florestais úmidas e de paisagens abertas e secas criaram condições distintas em que novas espécies se desenvolveram”, explica.
Outro evento de importância fundamental para a diferenciação das espécies do cerrado foi o soerguimento do Planalto Central, ocorrido há cerca de 5 milhões de anos. “O cerrado e o Chaco (paisagens abertas) faziam parte de uma mesma região. Ao se separarem, as espécies seguiram processos de diferenciação únicos, ainda sob influência de transformações climáticas posteriores.”
Para chegar a essa conclusão, Colli e sua equipe reuniram dados que possibilitaram a construção de árvores genealógicas envolvendo espécies endêmicas do cerrado. “Desde 1986 trabalhamos com análises morfológicas (referentes às características estruturais dos animais) e com o seqüenciamento genético de espécies do Cerrado. Ao cruzarmos essas informações com a distribuição geográfica das espécies, foi possível estabelecer as relações de parentesco entre elas e identificar suas origens”.
O pesquisador cita o exemplo de lagartos do gênero Kentropyx , com espécies endêmicas do cerrado, Chaco e Pantanal. Kentropyx paulensis e K. vanzoi (do Cerrado) e K. viridistriga (do Chaco e Pantanal) teriam um ancestral comum que se diferenciou nas espécies após o soerguimento do Planalto Central.
Além de recontar a história da evolução da herpetofauna do cerrado, o estudo da UnB tem ainda grande importância ecológica: “agregamos valor a essas espécies, pois descobrimos que o patrimônio genético delas é muito mais antigo do que se pensava”, comemora Colli.
Julio Lobato
Ciência Hoje On-line
09/03/04