Estudo revela rosto de múmia sem remover bandagens

Os egípcios acreditavam na vida após a morte mas, se quisessem aproveitar o outro mundo, seus corpos tinham que sobreviver. Para isso, eram embalsamados. Hoje, milhares de anos depois, eles se tornaram alvo de interesse para a ciência. Apesar disso, a alma de alguns egípcios pode continuar a descansar em paz — ao menos no que depender de pesquisadores italianos.

Modelo em resina do crânio e reconstituição final do rosto de um artesão
embalsamado no Egito antigo (fotos: American Journal of Roentgenology )

Uma equipe de radiologistas, antropólogos e cientistas forenses da Universidade de Turim revelou o rosto da múmia de um egípcio que viveu há quase 3 mil anos sem remover as bandagens de seu corpo. A reconstituição foi feita a partir de uma tomografia computadorizada utilizada pela primeira vez para produzir um molde detalhado em três dimensões da face egípcia.

“A única outra maneira de obter essa informação seria se retirássemos as bandagens, o que destruiria a múmia ou alteraria suas condições de conservação”, afirma o radiologista Federico Cesarani, principal autor do estudo publicado em setembro na revista American Journal of Roentgenology .

A múmia que serviu de base para a pesquisa preserva o corpo de um artesão egípcio chamado Harwa e pertence à coleção do Museu Egípcio de Turim. Ele viveu aproximadamente entre os anos de 945 e 715 a.C. e sua múmia foi encontrada na antiga cidade de Tebas em 1903 pelo arqueólogo Ernesto Schiaparelli.

O corpo de Harwa passou por scanners que geraram mais de 1,5 mil imagens tridimensionais que serviram de base para obtenção de dois moldes feitos de náilon e resina. O primeiro protótipo era uma reprodução em escala real do crânio; o segundo, moldado sobre a primeira peça, era a face do artesão reproduzida a partir da visualização de resíduos de tecidos de seu rosto ainda presentes por baixo das bandagens. O egípcio tem uma orelha praticamente inteira, partes do nariz e dos lábios intactas, mesmo depois de 2800 anos.

O grau de detalhamento atingido foi elevado: os cientistas observaram as imagens formadas em pedaços de apenas 6 mm, o que permitiu até determinar que o egípcio tinha um sinal congênito na têmpora esquerda. A análise mostrou que Harwa tinha cerca de 45 anos quando morreu.

Os cientistas enfatizam que não foi possível verificar se o rosto de Harwa era gordo ou magro. “As cavidades musculares são claramente visíveis nos ossos do crânio, o que nos ajudou a deduzir a grossura dos músculos”, esclarece o artigo de Cesarini. “Mas a gordura não deixa esses sinais.”

Para evitar erros e por não dispor de dados suficientes, os cientistas preferem não especular sobre a cor da pele, dos olhos e o tipo de cabelo e barba de Harwa. Por isso seu rosto foi reconstituído de olhos fechados. “A nova técnica pode ajudar a polícia a identificar corpos, ensinar aos antropólogos mais detalhes sobre indivíduos de sociedades antigas e auxiliar médicos a compreender doenças que afligiam essas pessoas”, conclui Cesarani.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
16/09/04