Evolução pelo faro

Sempre foi um mistério para os cientistas o motivo pelo qual os mamíferos desenvolveram cérebros maiores em relação ao tamanho do corpo do que os outros animais. A resposta pode estar no olfato.

Uma pesquisa de um grupo de paleontólogos de instituições norte-americanas, publicada na revista Science desta semana, aponta que o tamanho avantajado do cérebro dos mamíferos se deve a anos de evolução das áreas cerebrais ligadas ao faro.

Por quase 20 anos, a equipe de pesquisadores analisou crânios fósseis das primeiras formas de mamíferos em busca de uma explicação para a evolução de seus cérebros. Mas somente agora, com o uso de uma nova técnica de tomografia computadorizada, eles conseguiram enxergar por dentro da cavidade craniana desses fósseis.

“Até hoje o que se sabia sobre a evolução do cérebro dos mamíferos eram apenas especulações, primeiro pela raridade dos fósseis e segundo porque não era possível ver o interior dos crânios sem destruí-los”, conta o líder do estudo Timothy Rowe, da Universidade do Texas.

“Passamos muito tempo aperfeiçoando a tecnologia de tomografia para escanear esses fósseis.”

Reconstrução 3D
Reconstrução digital do cérebro e do crânio do ‘Hadrocodium wui’ feita por meio de tomografia computadorizada em 3D. (imagem: Science/ AAAS)

Depois de recriar em 3D a cavidade craniana de mais de 2 mil fósseis de mamíferos e pré-mamíferos, os cientistas decidiram estudar os crânios de duas espécies precursoras dessa classe, Morganucodon oehleri e Hadrocodium wui, que viveram há 190 milhões de anos onde hoje é a China.

Apesar de os animais serem minúsculos, com cerca de 12 milímetros cada, a tomografia computadorizada revelou que ambos tinham cérebros enormes, com o dobro do tamanho dos cérebros de seus antepassados répteis do período Triássico (entre 251 milhões e 199,6 milhões de anos atrás).

Ao comparar a cavidade craniana desses fósseis com a de outros animais mais antigos, os pesquisadores perceberam que as regiões do cérebro ligadas ao olfato, como o bulbo e o córtex olfativo, eram as que mais tinham se desenvolvido. 

Saber que mamíferos com grandes cérebros já existiam há tantos anos põe um marco nos estudos sobre a nossa evolução

“A cavidade craniana desses animais provê a primeira evidência sólida dos estágios de evolução do cérebro mamífero”, diz Zhe-Xi Luo, paleontólogo do Museu de História Natural de Carnegie e um dos autores do estudo. “Saber que mamíferos com grandes cérebros já existiam há tantos anos põe um marco nos estudos sobre a nossa evolução.”

Os pesquisadores não sabem afirmar por que somente os pré-mamíferos desenvolveram essa habilidade olfativa. Mas uma possível explicação é que a capacidade tenha surgido como uma adaptação para que esses animais, que tinham hábitos noturnos, sobrevivessem em um ecossistema dominado por dinossauros.

Do olfato para o tato

Além do aumento das regiões do cérebro ligadas ao olfato, os paleontólogos perceberam nos fósseis um aumento do cerebelo e dos hemisférios cerebrais, regiões responsáveis pela coordenação motora e sensorial.

Os pesquisadores sugerem que esse avanço teria sido possibilitado pela presença de pelos corporais nas duas espécies de animais analisadas.

Ilustração do ‘Hadrocodium wui’
Ilustração do ‘Hadrocodium wui’. (autor: Mark A. lingler/ Carnegie Museum of Natural History)

Mais do que esquentar o corpo dos mamíferos, o pelo teria sido responsável por tornar o tato mais sensível, o que estimulou a formação de novos campos sensoriais no neocortex e o desenvolvimento de uma melhor coordenação motora.

Segundo os pesquisadores, todos esses indícios levam a crer que os cérebros mamíferos passaram por três etapas de evolução: a primeira marcada pela melhora da capacidade olfativa, a segunda por um aumento da sensibilidade tátil e a terceira pelo aumento da coordenação neuromuscular.

“Nossos ancestrais mamíferos não desenvolveram um cérebro tão grande para contemplação, mas sim para o aperfeiçoamento da sua capacidade de sentir cheiros e toques”, afirma Lou. “Graças a esse avanço, nós humanos podemos hoje pensar sobre questões como esta.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line