Explicar, fascinar ou reinterpretar?

Como divulgar ciência? Qual seu papel na sociedade? De que modo a comunidade científica e a mídia podem contribuir nessa tarefa? Em mesa-redonda realizada em 13 de março, no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, representantes de três revistas de divulgação científica do país – Scientific American Brasil, Ciência Hoje e Pesquisa Fapesp  – debateram estas e outras questões.

Na avaliação dos participantes, o acesso ao conhecimento e à informação – possibilitado pela educação e fortalecido pela divulgação – é um direito elementar do cidadão. No entanto, existe no país uma precarização muito grande do ensino, principalmente nas áreas científicas, e os esforços de democratização da ciência ainda são tímidos.

O trabalho realizado pelas três publicações – apresentado no evento a um público aproximado de 85 pessoas – mostra, porém, que há tentativas sérias de se construir uma ponte mais sólida entre a ciência e a sociedade.

O físico Caio Lewenkopf, um dos diretores adjuntos do Instituto Ciência Hoje (ICH), falou dos esforços do instituto nesse sentido, com suas revistas voltadas aos públicos adulto e infantil e seu projeto de apoio à educação, que visa contribuir com o ensino de ciência, oferecendo oficinas aos professores de escolas públicas para que explorem de diversas maneiras a Ciência Hoje das Crianças em sala de aula.

Lewenkopf: Queremos mostrar às pessoas de fora da academia o que é o trabalho científico, para que possam entender o que a gente faz e a importância disso

Em um breve histórico sobre o ICH, Lewenkopf contou que, quando foi lançada há pouco mais de três décadas, a revista Ciência Hoje tinha a pretensão de promover a educação científica na população brasileira; esperava-se que ela fosse lida nos ônibus, nas ruas, inclusive pelas classes sociais mais carentes. “Talvez fosse um sonho grande demais; talvez não tenhamos esse alcance tão cedo”, refletiu.

Um objetivo mais factível hoje seria, a seu ver, mostrar para o grande público o que é o trabalho científico, o que os pesquisadores fazem em seus laboratórios e em sala de aula, “para que pessoas de fora da academia possam entender o que a gente faz e a importância disso”.

Na Ciência Hoje, diferentemente do que acontece nas outras revistas, parte importante dessa tarefa fica a cargo de cientistas, que escrevem os artigos principais da publicação, amparados por uma equipe de jornalistas. “Chegar a um texto com o qual ambas as partes estejam felizes é uma arte”, enfatizou.

O físico ressaltou ainda o “aspecto republicano” da divulgação científica, que seria o seu papel de prestar contas à sociedade do que é feito com o seu dinheiro, já que a maior parte da pesquisa brasileira é realizada com verbas públicas. “Precisamos explicar de alguma maneira pra quem está pagando a importância disso”, defendeu. “Explicar é um termo ruim, eu diria fascinar as pessoas”, retificou.    

Diferenças e diversidade

O jornalista Fabricio Marques, editor de política da Pesquisa Fapesp contou brevemente como a publicação evoluiu de um boletim institucional, lançado em 1995 para divulgar as pesquisas financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para uma revista mensal de 100 páginas, com tiragem de 48 mil exemplares, sobre estudos que vão além da agenda da fundação.

Capozzoli: Fazer divulgação é reinterpretar os fatos na tentativa de sensibilizar a sociedade para a perspectiva da ciência

Marques falou também sobre o modus operandi da revista – conduzida e escrita essencialmente por jornalistas, com o apoio científico de pesquisadores ligados à Fapesp – e sobre o público que a revista alcança, majoritariamente acadêmico – perfil diferente do qual gostaria de atingir. “A revista às vezes é vista como indigesta para determinados públicos, embora a gente se esforce bastante para tentar traduzir os resultados de pesquisa e os temas numa linguagem leiga”, disse.

Ulisses Capozzoli, editor-chefe da revista Scientific American Brasil, fechou as apresentações da mesa com uma fala mais provocativa. Para ele, falar em divulgação como simplificação – como muitos o fazem – é equivocado.

O jornalista defende o papel do divulgador como reinterpretador dos fatos e atribui à divulgação científica a tarefa de sensibilizar a sociedade para a perspectiva da ciência. “Isso significa tentar, num esforço que podemos chamar de loucura controlada, tirar a sociedade do obscurantismo”, explicou Capozzoli, evocando episódios recentes envolvendo a igreja católica e a crise estrutural que o mundo enfrenta.

Marques: “Não existe jeito certo de fazer divulgação científica; quanto mais tiver, melhor”

A diversidade de opiniões e de experiências foi vista como ponto positivo pelos participantes. “As nossas revistas se complementam”, disse Capozzoli, argumentando em prol da pluralidade.

“Não existe jeito certo de fazer divulgação científica; quanto mais tiver, melhor”, afirmou Marques, ressaltando, no entanto, que nenhuma iniciativa na área vai substituir o papel das escolas, que precisam oferecer um melhor ensino de ciências.

Clique aqui para ver o vídeo da mesa-redonda na íntegra.

Roberta Adena
Ciência Hoje On-line