Expor para tratar

Diariamente, crianças do mundo todo correm o risco de morrer ao saborear um alimento novo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 6% a 8% das crianças de até três anos tem algum tipo de alergia a alimentos. Mas o que fazer para evitar uma tragédia? Restringir os alimentos alergênicos como leite, ovo e amendoim já foi a resposta dada pelos médicos. Agora, os tratamentos mais avançados apostam no contrário e expõem o alérgico aos alimentos que lhe causam mais medo.

Um artigo publicado na revista Nature desta semana discute essa mudança de paradigma e cita algumas pesquisas que têm obtido sucesso ao dar aos pacientes alérgicos pequenas doses progressivas do alimento a que têm alergia.

O tratamento, chamado imunoterapia por dessensibilização, é o que há de mais novo para o controle da alergia alimentar, doença que ainda não tem cura. Com a exposição continuada ao alimento alergênico, o paciente acaba desenvolvendo tolerância.

Em um estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, divulgado em março deste ano, 22 crianças alérgicas a amendoim receberam pequenas doses diárias e crescentes de farinha de amendoim misturada às refeições por 30 semanas.

Ao final do tratamento, 14 delas desenvolveram resistência para comer tranquilamente 32 amendoins e todas conseguiram um nível de tolerância suficiente para cortar o efeito de uma ingestão acidental do alimento, que é, por enquanto, o maior objetivo da dessensibilização.

Todas as crianças do estudo conseguiram um nível de tolerância suficiente para cortar o efeito de uma ingestão acidental do alimento

“É maravilhoso”, diz Andy Clark, um dos cientistas envolvidos no estudo. “Antes disso, essas crianças tinham que checar cada rótulo de alimento, mas agora podem comer doces e comida chinesa sem preocupação.”

O resultado de pesquisas como esta, que vêm sendo feitas desde a década de 1990, levou a OMS a rever suas recomendações sobre alergias alimentares. Hoje, a organização afirma que não existem provas de que restringir o consumo de alimentos alergênicos evita o desenvolvimento de alergias.

“Durante muito tempo acreditou-se que o melhor era a não exposição, atualmente vivemos uma enorme mudança de paradigma”, afirma a médica e pesquisadora Ariana Yang, responsável pelo ambulatório de alergia alimentar do Hospital das Clínicas, em São Paulo, pioneiro da imunoterapia por dessensibilização no Brasil. 

Amendoim
Pesquisadores conseguiram fazer com que crianças alérgicas se tornassem resistentes a um dos maiores vilões da culinária, o amendoim. (foto: Flickr/ Tchau da milonga – CC BY-NC-SA 2.0)

Promissora, mas em estudo

Apesar dos bons resultados, inclusive conseguidos com seus pacientes no Brasil, Yang ressalta que a nova terapia ainda não tem um protocolo de uso estabelecido e não serve para qualquer caso.

“A exposição aos alimentos alergênicos tem se mostrado boa, mas existem pacientes que apresentam reações alérgicas mesmo com quantidades muito pequenas do alimento”, diz. “Por isso esse tipo de tratamento ainda não foi incorporado à prática médica do dia a dia.”

A pesquisadora ressalta que ainda existem muitas questões em aberto no estudo da alergia alimentar. A doença tem se tornado cada vez mais comum entre adolescentes e crianças, sendo que, há 50 anos, normalmente desaparecia depois dos cinco anos de idade. Mas os estudiosos ainda não sabem apontar uma causa para esse fenômeno. 

Ainda existem muitas questões em aberto no estudo da alergia alimentar

Outro grande desafio, segundo Yang, é o diagnóstico preciso da alergia. Os testes cutâneos, comumente usados para outros tipos de alergia, como à poeira e ao pólen, não distinguem a pessoa que tem a alergia de quem apenas possui anticorpos para as proteínas de um determinado alimento. Somente o teste de contato oral é eficiente, mas também muito perigoso.

“O diagnóstico preciso da alergia alimentar envolve um grande risco, pois dependendo do nível de tolerância da pessoa, ela pode desenvolver reações graves”, explica Yang. “Ainda temos muito o que descobrir nesse campo de estudo, mas a terapia de dessensibilização, com certeza, é um bom caminho.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line