Feitiço contra o feiticeiro

 

Na última safra, o Brasil produziu 58 milhões de toneladas de soja, mas esse número poderia ser maior não fossem os prejuízos causados pelo percevejo da soja, principal predador dessa cultura. Uma alternativa para os 4,5 milhões de litros de inseticidas gastos por ano para combatê-lo pode estar no feromônio sexual do próprio inseto que, quando usado na plantação, impede sua reprodução. O novo método não causa danos à saúde humana nem ao meio ambiente e reduz os custos de produção.

As três principais espécies de percevejos que atacam as lavouras de soja no Brasil: da esq. p/ a dir., Euschistus heros , Piezodorus guildinii e Nezara viridula

Feromônios são compostos químicos voláteis produzidos por indivíduos de uma espécie e que modificam o comportamento de outros da mesma espécie. Técnicas que usam essa substância no controle de pragas já são aplicadas no plantio de frutas e hortaliças, entre outros. Desde a década de 1980, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vem desenvolvendo uma solução para as perdas causadas pelo percevejo, que giram em torno de 20% da safra de soja . Para se alimentarem, esses insetos sugam o conteúdo dos grãos, o que causa danos irreversíveis às sementes.

A equipe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) conseguiu recriar em laboratório o feromônio sexual das principais espécies de percevejo que atacam a soja. Para isso, foi necessário colher a substância liberada pelo macho sexualmente maduro usada para atrair a fêmea. Após identificar os elementos que integram o composto, foi possível fazer um feromônio sintético.

O composto químico pode ser aplicado em pastilhas e colocado em armadilhas para atrair as fêmeas, que acabam presas. Isso permite diminuir a população de percevejos com capturas em massa. O método tem ainda a vantagem de detectar mesmo pequenas populações. Até agora ele foi testado em laboratório e em plantações de soja em campo experimental com resultados animadores: a técnica se mostrou até 50% mais eficiente que o monitoramento tradicional para avaliar a presença do inseto na lavoura.

Existem ainda outras formas de se administrar o feromônio. Ele pode, por exemplo, ser pulverizado sobre a lavoura, o que desorienta os insetos e reduz as chances de machos e fêmeas se encontrarem.

Como o feromônio possui aplicação localizada e atua especificamente sobre o percevejo, pode ser usado em pequenas quantidades. “Isso gera uma redução nos custos de produção, pois também permite que o uso de inseticida seja mais racional”, explica o biólogo Miguel Borges, coordenador da equipe do Cenargen responsável pelo estudo. Além disso, a técnica não gera danos à saúde ou ao meio ambiente, pois usa um composto natural. “Há uma demanda internacional por produtos com menor teor de resíduos químicos. É preciso se preocupar com a qualidade da produção.”

O Cenargen já possui a patente do novo método, mas ainda é preciso viabilizar sua produção em grande escala. Para isso, é necessário que os agricultores queiram aplicar o feromônio em suas lavouras. “Somente com essa procura a indústria vai se interessar em desenvolver um produto para colocar no mercado.”

 

Praga e Produção

O Brasil é o segundo maior produtor e exportador mundial de soja: opaís responde por 18% da produção mundial e 19% do total exportado. Aárea plantada de soja no Brasil no ano agrícola de 2002/03 foi de 18,5milhões de hectares, com previsão de crescimento em torno de 12,2% parao ano de 2003/04. O Brasil deve superar os Estados Unidos como maiorexportador mundial de soja em grãos, segundo um relatório de safradivulgado em outubro pelo Departamento de Agricultura dos EstadosUnidos (USDA). O Brasil deve exportar 26 milhões de toneladas de grãos,e os EUA, 23,7 milhões.

Os percevejos são as principais pragas do estágio reprodutivo da soja.Eles normalmente ocorrem na forma de um complexo de espécies entre asquais as mais importantes são Euschistus heros , Piezodorus guildinii e Nezara viridula . Em laboratório, são desenvolvidos compostos que imitam os feromôniossexuais de cada espécie. Eles podem ser aplicados ou não ao mesmotempo, de acordo com as necessidades de cada lavoura.

Rafael Barifouse
Ciência Hoje On-line
16/12/03