Fezes fossilizadas revelam hábitos de dinossauros

Fezes fossilizadas de animais pré-históricos de milhões de anos atrás podem ajudar a reconstituir o comportamento e os hábitos alimentares dessas espécies, bem como os ecossistemas em que viviam. Esses fósseis, chamados coprólitos (‘fezes petrificadas’ em grego), foram o objeto de um estudo pioneiro do pesquisador Paulo Roberto Souto. Em sua tese de doutorado defendida no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele analisou cerca de 200 coprólitos do Período Cretáceo (de 144 a 65 milhões de anos atrás).

Fezes fossilizadas encontradas na Bacia Bauru, onde hoje ficam
os estados de SP e MG. Algumas chegavam a atingir 12 cm

As amostras foram coletadas sobretudo em três bacias ricas em material fossilizado: do Araripe (na divisa entre Ceará, Piauí e Pernambuco), São Luís (Maranhão) e Bauru (São Paulo e Minas Gerais). Encontrar coprólitos não é tarefa fácil: eles podem facilmente ser confundidos com outras estruturas sedimentares ou fósseis. Para desvendá-los, “um macete é perceber pequenas cavidades no material, originadas por elementos voláteis presentes nas fezes, como nitrogênio e enxofre”, conta Souto. Outros elementos químicos verificados em análises, como o magnésio e o fósforo, também permitem identificar os excrementos.

“É impossível associar com precisão o excremento ao animal que o produziu”, diz. “O que fizemos foi estabelecer um padrão de evacuação para espécies carnívoras, herbívoras e onívoras, já que o formato das fezes depende da dieta e do processo digestivo de cada animal.”

 

Coprólitos de herbívoros (esq.) são reconhecidos pelo formato oval; os de carnívoros (dir.) têm padrão mais cilíndrico (fotos: P.R. Souto)

Para tanto, Souto analisou fezes de animais modernos e constatou que os excrementos dos carnívoros são cilíndricos. Para evitar a aderência de substâncias nocivas presentes na carne às paredes intestinais, esses animais têm digestão rápida e um tubo digestivo sem muitas curvas. Já os herbívoros, para digerir melhor as fibras vegetais, têm digestão lenta e um tubo cheio de voltas — que resulta em fezes ovóides.

 

“Encontramos na bacia Bauru coprólitos ovóides de animais herbívoros junto com cascas de ovos”, conta Souto. “Como 80% dos vestígios fossilizados são de titanossauros (grupo de dinossauros herbívoros), é bem provável que essa espécie se reproduzisse sazonalmente no mesmo lugar, como fazem hoje as tartarugas marinhas.” Em outra região da mesma bacia, havia muitos crocodilos. “Suas fezes tinham restos de ossos e dentes de indivíduos recém-nascidos da mesma espécie. Isso sugere que os crocodilos competiam entre si comendo uns os filhotes dos outros, como ocorre hoje.”

Já a análise dos coprólitos da bacia do Araripe comprovou que a região foi banhada por águas marinhas. Souto encontrou em fezes de peixes do Araripe carapaças fossilizadas de radiolários (protozoário que vive exclusivamente em ambiente oceânico) e mandíbulas de poliquetas (anelídeo de hábitat marinho).

 

Coprólitos de peixes são facilmente identificáveis, pois apresentam um ‘furo’ no interior, provocado por um jato d’água expelido durante a evacuação

 

O estudo de Souto, que auxiliará futuras pesquisas sobre coprólitos, integra o Projeto Cretáceo do Brasil e foi realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

 

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje on-line
13/02/03