Como acordar uma pessoa surda no meio da noite em caso de incêndio? A pergunta é séria e a resposta, dada por pesquisadores da Universidade de Shiga, no Japão, apesar de engraçada, também o é: basta usar um alarme que libera essência de raiz-forte, aquela pasta verde da culinária japonesa que de tão forte faz arder os olhos.
A invenção, que pode salvar vidas e também ser alvo de piada, foi a vencedora na categoria Química da 21ª edição do Ig Nobel, que anunciou seus premiados na noite de ontem (29/9), em cerimônia realizada na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
A iniciativa é uma paródia do prêmio Nobel organizada pela equipe da revista de humor científico Annals of Improbable Research, que premia as mais improváveis, estranhas ou triviais pesquisas.
- Alarme de incêndio premiado libera essência gasosa de raiz-forte. O produto já está à venda. (imagem: Air Water Safety Servic)
Antes de optar pela raiz-forte, a equipe japonesa do psiquiatra Makoto Imai testou outras alternativas para alertar os surdos, como o cheiro de ovos podres. Mas a iguaria oriental em estado gasoso lhes pareceu mais eficiente por liberar alil-isotiocianato, uma substância que irrita as mucosas do nariz e os olhos e é percebida pelo corpo mesmo durante o sono.
Na hora do desespero, tudo bem sentir ardência nos olhos. Afinal, é para salvar sua pele. Mas e as ‘cobaias humanas’ que participaram dos testes do produto? Imai não se esqueceu delas e, na entrega do prêmio, agradeceu “aos sujeitos que se engasgavam com o cheiro forte, enquanto eu dormia na sala de exame”.
Por falar em dormir, outro destaque da premiação foi o trabalho laureado em Fisiologia, que comprovou que o bocejo não é contagioso entre os jabutis, ao contrário do que parece acontecer com nós humanos.
Como quase todas as pesquisas premiadas pelo Ig Nobel, a princípio, o estudo parece não fazer sentido. Mas a sua idealizadora, a bióloga Anna Wilkinson, da Universidade de Viena, na Áustria, tem um ponto interessante.
A epidemia de bocejos entre humanos tem intrigado pesquisadores há séculos. Especula-se que um humano boceja depois de ver outro bocejando para demonstrar empatia, mesmo que inconscientemente. Então, Wilkinson resolveu verificar se o mesmo acontecia entre os jabutis.
Para isso, a bióloga e seus colegas fizeram o que parece impossível: condicionaram um jabuti a bocejar quando lhe era mostrado um quadrado vermelho de papel. Depois de devidamente adestrado, o jabuti treinado foi posto frente a frente a um grupo de colegas.
Os pesquisadores observaram as reações dos jabutis quando o jabuti adestrado bocejava naturalmente e por condicionamento e o resultado foi que não houve diferença, os jabutis não repetiram o bocejo. Assim, o experimento reforçaria a ideia de que o bocejo envolve um processo social complexo. Quer dizer, isso se os jabutis não forem tão lerdos que tenham preguiça até de bocejar!
Embriagados de amor
Também do reino animal foi o vencedor na categoria Biologia. Um estudo feito há 28 anos pelos entomologistas Darryl Gwynne e David Rentz, da Universidade Toronto Mississauga, nos Estados Unidos, se destacou ao apresentar o caso de amor entre besouros australianos cai-cai machos e garrafas de cerveja da marca Stubbies.
Não que a espécie de inseto seja adepta de uns goles! O que os pesquisadores tentaram explicar foi a frustrante e fatal tentativa dos besouros de copular com as garrafas.
- O besouro australiano cai-cai se equilibra em cima da sua amada, a garrafa de cerveja Stubbies. O inseto só caiu depois de morrer tentando acasalar. (imagem: Divulgação)
Depois de assistir a seis besouros (sóbrios) morrerem tentando, Gwynne e Rentz publicaram o artigo que explica por que esses insetos confundem a garrafa com fêmeas. Segundo o trabalho, a cor amarronzada da garrafa e o reflexo provocado pela luz do sol no vidro lembram a fêmea da espécie.
Os entomólogos terminam o artigo com a seguinte frase: “O despejo de garrafas de cerveja não só causa danos físicos visíveis ao meio ambiente, mas também causa grande interferência no acasalamento de besouros”. Essa mensagem, espera-se, vai levar muitos australianos a refletir antes de jogar garrafas vazias por lá.
Fique de olho
Apesar da brincadeira, muitas das pesquisas agraciadas com o Ig Nobel têm futuro promissor. Em 2000, por exemplo, o físico russo Andre Geim foi laureado por fazer um sapo levitar usando o magnetismo. Dez anos depois, Geim ganhou o Nobel (de verdade) de Física por seu trabalho com o grafeno.
Sendo assim, é melhor conferir os demais vencedores do Ig Nobel deste ano. Pode ser que os seus nomes ainda sejam muito ouvidos por aí:
- Medicina: Matthew Lewis, Peter Snyder e Robert Feldman (Universidade Brown, EUA); Robert Pietrzak (Universidade de Yale, EUA); David Darby e Paul Maruff (CogState); Mirjam Tuk e Debra Trampe (Universidade de Twente, Holanda) e Luk Warlop (Escola de Negócios Norueguesa) por demonstrar que prender o xixi pode afetar a capacidade de tomar decisões.
- Psicologia: Karl Halvor Teigen, da Universidade de Oslo, Noruega, por tentar entender por que as pessoas suspiram no dia a dia.
- Literatura: John Perry (Universidade Stanford, EUA), por desenvolver a teoria da procrastinação, que prega que para ter sucesso é preciso sempre trabalhar em algo importante, usando isso como desculpa para não fazer algo ainda mais importante.
- Laureados do prêmio Nobel e do Ig Nobel reunidos no palco da cerimônia da 21ª edição da iniciativa bem humorada do ‘Annals of Improbable Research’, na Universidade Harvard, Estados Unidos. (imagem: Reprodução)
- Física: Philippe Perrin, Cyril Perrot, Dominique Deviterne, Bruno Ragaru (Universidade de Nacy, França) e Herman Kingma (Universidade Tecnológica de Eindhoven, Holanda) por determinar por que lançadores de disco tendem a ficar tontos enquanto lançadores de martelo, não.
- Matemática: Para vários estadunidenses que previram o fim do mundo em diferentes datas, por “ensinar a todos a serem cautelosos em hipóteses e cálculos matemáticos”.
- Paz: Arturas Zuokas, prefeito de Vilnius, Lituânia, por demonstrar como resolver o problema do estacionamento ilegal: passando um tanque de guerra por cima dos carros. (Assista ao vídeo)
- Segurança pública: John Senders (Universidade de Toronto, Canadá), por bloquear a visão de um motorista, repetidas vezes, para demonstrar que mesmo assim ele era capaz de guiar, pois a atenção do motorista à estrada não é contínua. (Assista ao vídeo)
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line