Folclore brasileiro revisitado

Numa empreitada que começou em 2000, a Global Editora relança a obra de Luís da Câmara Cascudo, estudioso que se engajou no registro da tradição oral brasileira, perpetuada em conversas ao pé do fogão. Trata-se de “causos” e lendas populares que renderam cerca de 160 livros — nem seus herdeiros sabem a conta exata.

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Contos tradicionais do Brasil, Dicionário do folclore brasileiro e Superstição
no Brasil, três lançamentos da Coleção Câmara Cascudo da Global Editora

Entre os 16 títulos já disponíveis estão o Dicionário do folclore brasileiro , que esmiúça lendas, mitos, superstições e outros temas, e Contos tradicionais do Brasil , que traz diversas versões de narrativas populares. Em abril, na Bienal do Livro de São Paulo, a Global planeja adicionar ao seu catálogo História da alimentação no Brasil . Em seguida virão Civilização e cultura, Literatura oral e Vaqueiros e cantadores , ainda sem prazo previsto de lançamento.

Em Natal, onde Cascudo nasceu em 1898, seu nome batiza desde um terreiro de umbanda até o Museu de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Na entrada da cidade, um painel informa: “Esta é a terra de Luís da Câmara Cascudo”. Provinciano incurável, como gostava de se definir, esse historiador-antropólogo-etnólogo-folclorista ali fincou seus pés com tal força que, ainda vivo, se tornou um verdadeiro monumento potiguar.

Câmara Cascudo sempre se encantou pelas histórias contadas pelas amas e pelos espetáculos populares: ia às feiras, mercados e procissões para fixar perfis humanos e descrever tudo o que via. Suas anotações versavam sobre o cotidiano, as coisas simples, os hábitos da gente à sua volta.

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Cédula lançada em homenagem a Câmara Cascudo no início dos anos 1990

Oriundo de família nobre, Cascudo recebeu uma educação ditada pelos bons costumes, mas nunca foi fascinado pelo requinte. Resistiu aos feitiços da política eleitoral e dos postos administrativos, mesmo quando incentivado por figuras como Getúlio Vargas. Sua opção era pelos humildes, os sábios, os analfabetos.

Luís almejava conhecer a fundo o que era genuinamente brasileiro, coisa que não estava registrada nos livros e não era ensinada nas escolas. Após trabalhar como repórter e estudar medicina, formou-se em direito, mas gostava de dizer que sua universidade tinha sido a rua. O diploma servira para possibilitar-lhe exercer o ofício de que tanto se orgulhava: o de professor.

Autodidata, aprendeu a ler em inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, grego e latim. Tudo muito coerente para um estudioso das palavras, que se comunicava com o mundo através de cartas. Quando queria saber o significado de uma expressão no outro lado do país, enviava pelo correio a pergunta. As respostas podiam ser endereçadas simplesmente a “Luís da Câmara Cascudo, Natal”: na residência do habitante ilustre, havia uma placa com seu nome e data de nascimento.

Câmara Cascudo tinha tanto prazer em publicar seus livros que aceitava qualquer proposta. Após sua morte, em 1986, os herdeiros tiveram que suar para reunir todos seus escritos, dispersos por diferentes editoras. Sua importância histórica anda esquecida e as reedições, que receberam tratamento apurado, resgatam a obra de um pensador cujos textos mais parecem longas conversas para boi nenhum dormir.

Para mais detalhes sobre os livros já relançados na
Coleção Câmara Cascudo, visite o site da Global Editora .

Carolina Benjamin
Ciência Hoje On-line
12/03/04