Formigas primitivas na Amazônia

Batizada de Martialis heureka, a nova espécie de formiga descoberta na Amazônia brasileira tem corpo claro e é cega (fotos: C. Rabeling e M. Verhaagh/ PNAS).

Uma nova espécie de formiga, descoberta na Amazônia brasileira, reforça uma recente teoria sobre a evolução desse grupo. Estudos morfológicos e genéticos indicam que o inseto, um predador cego que caça embaixo da terra, pode pertencer a uma das mais antigas linhagens vivas de formigas. O achado evidencia que os primeiros representantes desse grupo tinham hábitos subterrâneos, ao contrário do que se acreditava.

A nova espécie tem características incomuns, diferentes das de qualquer outra formiga no planeta. Por isso, ela foi bem-humoradamente batizada de Martialis heureka, como se fosse um inseto vindo de Marte. A espécie foi descrita esta semana na PNAS por uma equipe liderada pelo biólogo evolutivo Christian Rabeling, da Universidade do Texas em Austin (EUA). O animal inaugura a vigésima-primeira subfamília do grupo das formigas – chamada Martialinae.

A M. heureka é adaptada para morar na terra, tem de 2 a 3 milímetros de comprimento, é clara e não tem olhos. Esses dois últimos traços indicam que a espécie vive em ambientes cobertos e com pouca luz, como aparas de folhas e madeira podre. Os pesquisadores suspeitam que as grandes mandíbulas em forma de pinça (característica que não é vista em outras espécies de formiga) e as patas dianteiras compridas sejam adaptações para capturar presas em cavidades.

Os dados sugerem que as mais antigas linhagens de formigas vivas não são parecidas com vespas, grupo a partir do qual esses insetos evoluíram mais de 120 milhões de anos atrás. Essa semelhança era sugerida por estudos anteriores com formigas do gênero Sphecomyrma, que viveram no Mesozóico e são amplamente conhecidas como o elo perdido entre vespas e formigas.

As vespas têm grandes olhos, vivem acima do solo e são predadoras generalizadas, que voam e caçam diferentes tipos de insetos ou artrópodes. Por outro lado, as mandíbulas em forma de pinça da M. heureka indicam que ela seja um predador especializado, que fica oculto embaixo do solo. “Nunca observamos seu comportamento, mas achamos que as mandíbulas podem ser usadas para retirar artrópodes e insetos de corpo macio, como larvas, minhocas ou pequenos milípedes, de seus túneis e fendas”, diz Rabeling à CH On-line.

Formigas subterrâneas e cegas

Uma das características peculiares da M. heureka são as grandes mandíbulas em forma de pinça, que os pesquisadores acreditam ser adaptações para capturar presas em cavidades.

A descoberta da M. heureka está em consonância com estudos moleculares recentes, que sugeriram que outra subfamília de predadores subterrâneos (chamada Leptanillinae) seria uma linhagem irmã de todas as formigas existentes. O achado fornece nova evidência para a hipótese de que linhagens de formigas subterrâneas e cegas se desenvolveram cedo na evolução desse grupo.

Os cientistas acreditam que a nova espécie reúna os únicos representantes sobreviventes de uma linhagem altamente divergente que se originou pouco depois do início da diversificação das formigas e persistiu em ambientes ecologicamente estáveis por grandes espaços de tempo.

Com base em seus dados e em registros fósseis, o grupo supõe que o ancestral dessa formiga seja parecido com uma vespa, talvez similar ao fóssil do gênero Sphecomyrma. A equipe especula que a nova espécie tenha sofrido adaptações ao longo do tempo para esse hábitat subterrâneo, enquanto manteve algumas das características físicas de seus ancestrais. Essa manutenção de traços teria sido possível porque a espécie vive escondida em solos tropicais ambientalmente estáveis, com menor potencial de competição com outras formigas.

Para os pesquisadores, a descrição da M. heureka ajudará os biólogos a entender melhor a biodiversidade e a evolução das formigas, insetos ecologicamente importantes que se tornaram uma das mais diversas e abundantes famílias de animais que já apareceram na Terra. “A descoberta indica uma riqueza de espécies, possivelmente de grande importância evolutiva, ainda escondida nos solos das florestas tropicais remanescentes”, conclui a equipe no artigo. 

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
15/09/2008