Gravidez conturbada

Segundo estudo realizado por pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, as agressões contra gestantes são geralmente praticadas por seus parceiros. (Crédito: Hilde Vanstraelen).

O número de mulheres que sofrem violência física ou psicológica durante a gravidez é grande, segundo pesquisa realizada pelo Programa de Investigação Epidemiológica em Violência Familiar da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Entrevistas feitas com 810 gestantes atendidas em três grandes maternidades públicas do município mostraram que 18,2% delas sofreram algum tipo de violência física e 61,71% foram agredidas psicologicamente por seus maridos, companheiros ou ex-companheiros durante a gestação, o que pode gerar graves conseqüências tanto para a mulher como para o bebê.

O estudo, realizado pelos epidemiologistas Michael Reichenheim e Cláudia Leite Moraes, do Instituto de Medicina Social da Uerj, faz parte de um projeto desenvolvido desde a década de 1990 que visa entender como a violência se apresenta nos lares brasileiros a partir da análise do perfil das vítimas e dos danos sofridos por elas. “Percebemos que a violência contra a mulher e a criança era uma situação muito presente, mas pouco relatada nos ambulatórios e consultórios”, diz Moraes.

Para analisar a violência durante a gestação, os pesquisadores entrevistaram 810 mulheres atendidas em três das maiores maternidades do município do Rio de Janeiro – Maternidade Carmela Dutra, Hospital Maternidade Oswaldo Nazaré e Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães – entre março e setembro do ano 2000. Os resultados foram alarmantes: 33,8% das gestantes sofreram ou praticaram alguma forma de violência física em seus lares e 16,5% dos casais cometeram atos que caracterizam violência física grave. Além disso, 78,3% das mulheres vivenciaram situações de violência psicológica, seja como vítima ou agressora. “É importante considerar a agressão psicológica – o terror, a ameaça, o constrangimento, a proibição de manter relacionamentos com amigos ou parentes –, que, às vezes, pode ser até mais grave que a própria violência física”, destaca Moraes.

Segundo os pesquisadores, a violência contra a mulher durante a gravidez é normalmente praticada pelos cônjuges. As gestantes que sofrem ou já sofreram algum tipo de violência física ou psicológica geralmente são jovens, já fizeram aborto, não têm suporte afetivo, vivem com parceiros que apresentam histórico de uso de drogas e álcool e pertencem a um nível socioeconômico desprivilegiado. Eles ressaltam que as condições sociais podem até facilitar a ocorrência da violência, mas não são sua causa única e exclusiva. “As personalidades dos cônjuges e as experiências vividas por eles em outras relações são fatores que, somados à desigualdade social, contribuem para a ocorrência de agressões.”

Risco duplo
Viver situações de violência durante a gravidez, seja como vítima ou agressora, coloca em risco tanto a mãe como o filho. “As gestantes deixam de ganhar de três a quatro quilos em relação à média, além de apresentarem maior propensão ao sangramento uterino”, diz Michael Reichenheim. Além disso, elas costumam realizar um menor número de consultas pré-natais, além de iniciarem esse cuidado mais tarde do que outras mulheres, o que prejudica o acompanhamento do bebê e o eventual tratamento de doenças. “Sem falar na possibilidade de aborto espontâneo e até mesmo da morte do feto e da mãe”, alerta o pesquisador.

Segundo ele, alguns estudos também indicam que a violência pode estar associada à prematuridade do bebê, mas esses resultados ainda não foram comprovados. Cláudia Moraes complementa: “A preocupação com a ameaça de vida pela qual está passando pode fazer com que a mulher não consiga sentir direito a gestação e levar ao stress, possível causa de depressão durante a gravidez e no pós-parto”.

Durante a pesquisa, a equipe procurou orientar as entrevistadas a buscar ajuda em casos de violência. Foram distribuídos folhetos com a lista de todas as instituições de apoio às famílias vítimas de violência (delegacia de mulheres, conselhos estaduais, casas de abrigo para mulheres em situação de violência, entre outros).

Segundo os pesquisadores, além da divulgação no meio acadêmico, os resultados foram difundidos nos próprios locais onde a pesquisa foi realizada. As primeiras conclusões do estudo foram encaminhadas à Secretaria de Saúde do Estado Rio de Janeiro. “É importante oferecer um retorno à sociedade. Nossa intenção é disponibilizar todas as informações possíveis para enfrentar de fato o problema.”

Rachel Rimas 
Ciência Hoje On-line
07/08/2007