O ataque dos EUA ao Iraque ameaça parte importante da herança cultural da humanidade. O país fica onde há 6 mil anos surgiu a Mesopotâmia, berço das mais antigas civilizações. Ali viveram sumérios, acádios, babilônicos, assírios, selêucidas e sassânidas — civilizações avançadas, que conheciam astronomia e matemática e tinham técnicas agrícolas e de construção. Em artigo publicado na revista Science de 21 de março, McGuire Gibson, professor de arqueologia da Mesopotâmia da Universidade de Chicago, alerta para o risco de destruição de importantes sítios arqueológicos.
Selo cilíndrico usado nos primeiros documentos escritos da Mesopotâmia, no século 23 a.C.
Gibson diz ser quase impossível determinar quantos sítios existem no Iraque. Há registro de cerca de 10 mil que já foram explorados. Estima-se que haja ainda milhares de grandes sítios, além de dezenas de pequenos sítios adicionais ao redor de cada um. Calcula-se também que existam milhares de sítios arqueológicos dos períodos paleolítico e neolítico no deserto a oeste do país, quase inexplorado. “Ao todo é razoável estimar em centenas de milhares o número de sítios arqueológicos do Iraque”, diz Gibson. Isso inclui centenas de monumentos ainda de pé, hoje integrados aos centros urbanos.
Até a Guerra do Golfo, em 1991, o Iraque tinha uma história invejável de proteção da herança cultural e das antiguidades. Desde os anos 1920, as universidades eram estimuladas a ter programas especiais para arqueologia e museologia. Centenas de guardas e leis rígidas protegiam os sítios arqueológicos.
O trânsito de veículos pesados e a escavação de trincheiras durante a guerra causaram danos a sítios como o de Ur (suposta cidade natal de Abraão) e o de Tell al-Lahm. Os estragos, porém, foram pequenos se comparados aos que se seguiram à guerra, com o embargo econômico imposto pela ONU.
A proteção aos sítios não podia mais ser sustentada e houve uma explosão de saques às ruínas e contrabando de antiguidades. Mesmo nos maiores sítios, como os de Nínive e Babilônia, onde os guardas foram mantidos, houve pilhagens. Na região entre os rios Tigre e Eufrates, as escavações se tornaram uma verdadeira indústria: ocupam centenas de pessoas.
Estátuas e tábuas de escrita cuneiforme estão entre as peças mais cobiçadas pelos ladrões de antiguidades
Agora a guerra ameaça novamente os tesouros escondidos no Iraque. No início do ano Gibson reuniu-se com representantes do Pentágono e lhes entregou uma relação de sítios a serem poupados de bombardeios. “Expliquei a eles que todo o terreno é arqueologicamente rico”, diz. “No país não há elevações naturais, logo sempre que os soldados virem um morro é alta a probabilidade de ser um sítio.” Outra grande preocupação dos arqueólogos é com o Museu Nacional, em Bagdá, e com o museu de Mosul, ambos próximos a prédios do governo — alvos ditos ‘legítimos’ do exército americano.
Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
20/03/03