Hábitos modernos ameaçam biodiversidade

 

A mudança nos hábitos da sociedade pode colocar em risco a biodiversidade. Se antigamente era o aumento populacional que preocupava os cientistas, agora é o crescimento no número de “lares”, que abrigam cada vez menos pessoas, que constitui uma ameaça ao meio ambiente. Essa foi a conclusão da pesquisa do ecólogo de sistemas Jiango Liu, professor da Universidade do Estado do Michigan (EUA), publicada na Nature de 12 de janeiro. Liu avaliou o impacto desse crescimento em 141 países, incluindo o Brasil.

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Pandas gigantes na Reserva Wolong (China). A pesquisa de Jiango Liu foi
inspirada pelo estudo do impacto do aumento do número de lares sobre a população desses ursos (foto: Sue Nichols, Michigan State University)

A pesquisa surgiu a partir do trabalho de Liu com pandas na China. Lá, ele descobriu que o aumento do número de “lares” demandava maior uso de recursos naturais (energia e matérias-primas), o que colocava os ursos em risco. O pesquisador resolveu então avaliar se o mesmo ocorria em outras partes do mundo. Foram analisados fatores como tamanho da população, número de lares e quantidade de pessoas em cada casa em 76 países de grande biodiversidade ameaçada (chamados hotspots ) e em outros 65 países. Depois foram calculadas as taxas de crescimento populacional e de lares, com base em dados de 1985, de 2000 e estimativas para 2015.

Nos hotspots os pesquisadores constataram que o número de “lares” aumentou 1,3% a mais que a população no período 1985-2000. Ao mesmo tempo, a quantidade de pessoas por casa diminuiu 0,7%. Isso significa cerca de 155 milhões de habitações a mais — e muito mais estresse no ambiente. Nos demais países foram encontrados resultados parecidos, embora ali a ameaça à biodiversidade seja menor.

Esse processo traz inúmeras conseqüências para o meio ambiente. Para a construção de um maior número de casas é necessário mais espaço e matérias primas (como a madeira) e, por isso, mais hábitats de vida selvagem são destruídos ou fragmentados. Um menor número de pessoas por casa também implica uma pior utilização de recursos. “O mau uso de energia gera uma maior emissão de gases-estufa, o que pode acarretar mudanças no clima global”, explica Liu à CH on-line .

O aumento no número de lares — inclusive em países como a Nova Zelândia, onde a população diminuiu — se deve aos novos hábitos da vida moderna, como grande aumento no número de divórcios e maior independência dos jovens, que passaram a sair da casa dos pais mais cedo. O número de pessoas que preferem morar sozinhas ou em duplas também teve aumento significativo, o que agrava o problema.

“Antes culpavam-se as fábricas e companhias pelos problemas ambientais”, diz Liu. “Nosso estudo mostra, porém, que cada pessoa e cada casa produz impacto no ambiente, e também precisa ajudar a reduzi-los”. Paralelamente à conscientização pessoal, o ecólogo acredita que também é papel do Estado incentivar os cidadãos a reduzirem as conseqüências para o meio ambiente. Uma das soluções possíveis seria produzir incentivos fiscais aos que preferirem dividir casas, o que ajuda a otimizar os recursos. Nos hotspots , esse esforço deve ser ainda maior, para garantir a conservação das espécies.

Gisele Lopes
Ciência Hoje on-line
05/02/03