Herança do mal

Os  pesticidas usados em cultivos agrícolas ficam acumulados nos animais e são transmitidos ao longo da cadeia alimentar.

Um estudo do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB) alerta para a possibilidade de contaminação, durante a gestação e amamentação, de bebês cujas mães tenham ingerido alimentos contaminados com DDT (mais famoso pesticida usado em cultivos agrícolas e no combate a doenças tropicais, como a malária). O trabalho, publicado em julho na revista American Journal of Perinatology , reuniu resultados de dez anos de pesquisas sobre contaminação tóxica por substâncias químicas oriundas de pesticidas. O uso do DDT já foi proibido no mundo inteiro, após a comprovação de seus níveis inseguros de toxicidade.

Os xenoestrogênios, substâncias químicas sintéticas e estáveis presentes nos poluentes orgânicos, não se degradam com facilidade e acumulam-se em animais e especialmente em humanos no topo da cadeia alimentar. Essas substâncias ganharam recentemente o nome de desreguladores endócrinos (EAS, na sigla em inglês), quando despertaram o interesse da comunidade científica. “Os desreguladores endócrinos mudam a constituição neuroquímica do ser humano e são capazes de provocar alterações morfofisiológicas”, explica o autor do estudo, o bioquímico José Garrofe Dórea.

Apesar de os pesticidas organoclorados (compostos orgânicos com um ou mais átomos de cloro), como o DDT, serem usados em cultivos agrícolas, são os animais que acumulam essas substâncias perigosas ao entrarem em contato com elas. Quanto mais próximo do topo da cadeia alimentar, maior o nível de contaminação do animal. Herbívoros como vacas e ovelhas, usados para a produção de leite e carne vendidos na indústria, são alimentados com ração de origem animal nos criadouros. Se a ração estiver contaminada, o resíduo tóxico irá passar adiante, até chegar ao corpo humano.

As pesquisas indicam que substâncias químicas perigosas são transmitidas para os recém-nascidos através da placenta e da glândula mamária. Além disso, estudos já comprovaram que o leite materno de mulheres vegetarianas contém menos substâncias tóxicas do que o de mães não vegetarianas. Embora esses resultados sejam um alerta, Dórea ressalta a importância da amamentação. “O leite da vaca também vem contaminado. Pelo menos o materno é uma garantia de saúde para o bebê.”

Conseqüências desse tipo de contaminação já foram comprovadas em animais, como o nascimento de girinos com número de membros alterado ou mudanças no percentual de indivíduos machos e fêmeas em algumas espécies. Em seres humanos, os efeitos colaterais ainda não foram plenamente estudados. “Os EAS aparecem na forma de misturas, cujos componentes causam reações imprevisíveis. Há momentos em que seus efeitos se somam e outros em que se anulam”, diz Dórea. “Por enquanto, é impossível identificar uma substância responsável por determinado tipo de efeito no corpo humano”, complementa.

Estudos epidemiológicos já apontam para a aparição de doenças ligadas à contaminação por pesticidas na Europa. Outros relacionam a grande exposição a essas substâncias com alterações na idade da primeira menstruação entre meninas e com o aumento da inversão de comportamento típico de um gênero entre crianças (interesse de meninos por coisas femininas e vice-versa). “Apesar da proibição, ainda vejo o DDT sendo usado, principalmente nos países em desenvolvimento. Ainda não há uma solução tão eficiente para a erradicação da malária, por exemplo”, diz Dórea. “O que a sociedade pode e precisa fazer é exercer melhor controle sobre seus produtos industriais antes de adotar soluções radicais que comprometam o controle de doenças tropicais endêmicas.” 

Juliana Tinoco
Ciência Hoje On-line
01/11/2006