Hora de reconstruir (e de prevenir)

 



Vista aérea do Morro do Baú, em Ilhota (SC), uma das áreas mais castigadas pelas chuvas (foto: Wilson Dias / Agência Brasil).

Três meses após um dos maiores desastres ambientais já registrados no Brasil – que atingiu boa parte de Santa Catarina, deixando 120 mortos e dezenas de milhares de desabrigados –, pesquisadores de várias áreas e autoridades de todo o país se reuniram em Itajaí (SC) na semana passada para discutir meios de evitar novas tragédias causadas por enchentes e deslizamentos de terra no estado. O evento foi organizado pela Sociedade Brasileira de Recuperação de Áreas Degradadas (Sobrade) e pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Um dos destaques do evento foi a proposta de instalação, em áreas de risco, de um sistema de alerta contra deslizamentos de taludes, apresentada pelo engenheiro geotécnico José Alberto Ortigão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da empresa Terratek, sediada no Rio. O objetivo do sistema é alertar previamente a população e as autoridades sobre a iminência de chuvas intensas e deslizamentos de taludes, visando à rápida tomada de providências.

O sistema de alerta foi empregado pela primeira vez em Hong Kong, na China, no começo da década de 1990; pouco depois, em 1996, foi utilizado na cidade do Rio de Janeiro. “Foi a segunda experiência bem-sucedida do globo”, lembra Ortigão.

O emprego da tecnologia é antecedido por estudos que analisam, em diversas áreas, variáveis como acumulação anterior de chuva no terreno e características geológicas e geotécnicas importantes. Obtém-se então um mapa das áreas com risco de deslizamentos, que orienta a instalação de equipamentos de alta tecnologia em pontos estratégicos para monitorar níveis de água no terreno, movimentação do solo e condições atmosféricas.

Radar meteorológico digital
Um desses equipamentos é o radar meteorológico digital doppler. O radar, usado para investigar o sistema climático em um raio de 200 km da antena, capta dados sobre tempestades e precipitações em regiões inacessíveis a outros aparelhos. “Os meteorologistas usam o radar para examinar o interior de nuvens, assim como os médicos usam raios X para examinar o interior do corpo humano”, compara Ortigão. “Eles acompanham as precipitações pelo radar, que indica onde elas estão se formando e quão intensas elas são.” Assim, pode-se prever condições climáticas com até quatro dias de antecedência. No caso de Santa Catarina, um único radar seria suficiente para monitorar todo o Vale do Itajaí, região mais atingida pelas chuvas.

Morador tenta recuperar seus pertences levados pelas águas do rio Itajaí (foto: Magru Floriano / Flickr).

Todos os dados são analisados por um time de meteorologistas e geotécnicos com o auxílio de um sistema que recebe informações a cada 15 minutos, em média. No entanto, isso não garante sucesso absoluto nas previsões. Segundo Ortigão, algumas encostas naturais podem esconder sinais óbvios de risco até que sejam atingidas por tempestades severas.

Portanto, a previsão do tempo e de deslizamentos não pode, segundo o engenheiro, ser considerada uma ciência absolutamente exata. “Em algumas ocasiões pode haver alertas sem que haja deslizamentos; do mesmo modo, se fortes chuvas caírem repentinamente, pode haver desmoronamentos antes de o sistema ser acionado.”

Educação ajuda a evitar tragédias
O sistema de alerta baseia-se em ferramentas que incluem programas de gerenciamento de riscos que melhoram com o passar do tempo. Mas a prevenção não depende só de aplicações tecnológicas; depende também de políticas públicas, como o estabelecimento de critérios para a construção perto de encostas. Segundo Ortigão, a população precisa ser educada para colaborar, pois, em casos de alerta, é necessária a desocupação rápida das áreas críticas.

“Os casos mais graves de desabamentos ocorreram em regiões que sofreram a ação do homem”, diz o engenheiro florestal Maurício Balensiefer, presidente da Sobrade e coordenador do evento. Dos 300 mil habitantes de Blumenau, por exemplo, cerca de 60 mil vivem em área irregular, invadida ou de risco.

Ao detectar uma condição de alarme, os pesquisadores chamam a Defesa Civil para avaliar a situação antes de dar o alerta. Se ativado, informações sobre os riscos são enviadas rapidamente aos meios de comunicação. O governo, por sua vez, deve indicar as áreas a serem evitadas ou evacuadas, alertar o corpo de bombeiros e hospitais, entre outras medidas preventivas.

Pior tragédia climática da história catarinense

Cenas como esta, comparadas as de uma guerra civil, eram comuns em diversas regiões do Vale do Itajaí após as chuvas de novembro de 2008 (foto: Magru Floriano, Flickr)..

As enchentes e os cerca de 4 mil deslizamentos ocorridos no fim do ano passado em Santa Catarina atingiram mais de 1,5 milhão de pessoas e um grande número de animais. Dados do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina revelam que o último registro de chuvas tão intensas no estado durante a primavera foi em 1997. Mas naquela época o volume pluvial foi menor que o registrado em 2008.

 

Das muitas áreas atingidas em 60 municípios, pelo menos 25 estão condenadas pela Defesa Civil e seus moradores não poderão reocupá-las. Em todo o Vale do Itajaí, catarinenses se perguntam o que fazer daqui para frente. Com as chuvas, o solo está saturado e o lençol freático permanece elevado. Por isso, análises de especialistas da Universidade Federal de Santa Catarina indicam que o solo só vai se estabilizar em seis meses. Até lá, haverá risco de novos desmoronamentos.

 

Nas cidades mais atingidas, como Blumenau, Itajaí e Ilhota, ainda há muito o que reconstruir, diz Balensiefer. “Queremos oferecer contribuições para que governo e comunidades possam implantar medidas preventivas consistentes, reduzindo de fato chances de novas tragédias.” 

Luan Galani
Especial para a CH On-line (PR)
23/02/2009