Impasse florestal

A votação do novo Código Florestal, em tramitação na Câmara dos Deputados há quase 12 anos, foi adiada mais uma vez. O relatório do deputado Aldo Rebelo, que institui a nova legislação, deveria ter sido aprovado ou rejeitado na última quinta-feira (05/05), mas teve a decisão de seu futuro remarcada para amanhã (10/05).

O adiamento desagradou ruralistas pela possibilidade de serem feitas mais mudanças no texto nesse intervalo. E, ao contrário do que se podia imaginar, também não agradou aos ambientalistas e à comunidade científica, que pedem mais do que apenas alguns dias para discutir as medidas do novo código.

No dia 28 de abril, a comunidade científica, representada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), apresentou à Câmara dos Deputados um relatório que aponta as inconsistências científicas da nova legislação.

Os doze autores do estudo propuseram que a votação fosse adiada por dois anos, período que, segundo eles, deveria ser usado para avaliar os efeitos que o novo código provocaria no meio ambiente e na agricultura.

“O Código Florestal em vigor não se ajusta mais à paisagem do Brasil, mas o novo piora ainda mais a situação do meio ambiente”

“O Código Florestal em vigor não se ajusta mais à paisagem do Brasil, mas o novo piora ainda mais a situação do meio ambiente e não leva em consideração o saber científico”, diz o relator do estudo da SBPC, o engenheiro agrônomo Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O estudo, que levou dez meses para ficar pronto, afirma que as áreas de preservação permanente (APPs) ao longo das margens de rios e corpos d’água com até 5 metros de largura não deveriam ser reduzidas de 30 metros de largura, estabelecidos pela legislação atual, para 15 metros, como propõe o novo código.

A SBPC alerta que os rios de até 5 metros de largura respondem por cerca de 50% da rede de drenagem do país. Se a mudança de tamanho dessas APPs for feita, haverá uma diminuição de 31% nas zonas protegidas em relação à lei atual. Essa situação deixaria as regiões próximas aos rios mais suscetíveis a enchentes e alagamentos, que põem em risco as populações e prejudicam a biodiversidade local.

APPs mais flexíveis

Vista aérea da Amazônia
Segundo estudo da SBPC, se as áreas de preservação permanente em torno dos rios forem reduzidas, 60% das áreas inundáveis da Amazônia ficariam desprotegidas. (foto: Luis Felipe Vanegas Trujillo/ CC BY-NC-SA 2.0)

Na última segunda-feira, dia 2, o deputado Aldo Rebelo divulgou que seriam mantidos os 30 metros de largura das APPs em torno de rios. No entanto, para os cientistas, não será suficiente que o deputado cumpra a palavra.

De acordo com Nobre, a adoção de áreas rígidas para conservação não é a solução ideal. “Há lugares em que o solo ao redor dos rios precisa ser preservado em até 100 metros e outros em que 10 metros são o bastante”, diz o pesquisador. “Quando se estabelece uma faixa fixa, protege-se demais em um lugar e de menos em outro.”

Nobre propõe que o Código Florestal preveja o uso de tecnologias de mapeamento e sensoriamento remoto para identificar as áreas de risco de cada região e então definir um tamanho e um local adequado para as APPs caso a caso.

“Já temos tecnologia para fazer um mapeamento completo do relevo, da vegetação e do clima do Brasil em dois anos”, afirma o pesquisador. “Se fizéssemos isso, poderíamos ver, como no Google Earth, todas as fazendas do país e definir a melhor área para a APP.”

O engenheiro agrônomo ressalta que um delineamento mais preciso das APPs traria benefícios não só para a conservação da biodiversidade, defendida pelos ambientalistas, como também para a agricultura, bandeira dos ruralistas.

“As zonas de preservação são uma forma de proteção para a agricultura, pois previnem a desertificação e a degradação do solo e tornam a produção muito melhor”, explica Nobre.

Reserva legal fora da lei

Outro ponto de discussão que divide opiniões e também foi levantado pelo estudo da SBPC é a necessidade de se respeitar a reserva legal, parcela de mata nativa que os proprietários de terra são obrigados a manter.

A lei em vigor determina que as propriedades rurais na Amazônia Legal preservem 80% da vegetação em áreas de floresta e 35% em áreas de cerrado. Para os demais biomas do país, a exigência é de 20%.

O texto do novo código mantém a reserva legal, mas desobriga os proprietários de terrenos de até quatro módulos fiscais – faixa que pode variar de 100 a 400 hectares de acordo com o município – de reflorestarem as áreas já desmatadas além do permitido.

Fazenda na Amazônia
Com o novo Código Florestal, os proprietários de terras de até quatro módulos fiscais (entre 100 e 400 hectares) ficam isentos de recompor áreas já desmatadas originalmente destinadas à proteção da mata nativa. (foto: Leo Freitas/ CC BY-NC-SA 2.0)

De acordo com o estudo da SBPC, 42 milhões de hectares, dos 236 milhões que deveriam ser destinados à reserva legal no país, são indevidamente usados e desmatados.

“Já estamos muito atrasados em questão de conservação e, com a proposta do novo código, ficaremos ainda mais distantes do ideal”, pondera Nobre. Para o pesquisador, não existe motivo que justifique a destruição das áreas de reserva legal, pois elas não são improdutivas. É permitido, por exemplo, o extrativismo de mel e de madeira.

Mais tempo e ciência

Nobre ressalta que não há razão para que a votação do novo código seja feita ainda esta semana e que o uso da ciência e da tecnologia poderia aprimorar a legislação.

“Por que não podemosesperar dois anos e fazer uma lei florestal avançada e baseada naciência?”

“Essa pressão toda para votar não interessa ao Brasil. Se vamos esperar três anos para a Copa do Mundo, por que não podemos esperar dois anos e fazer uma lei florestal avançada e baseada na ciência?”

Se o código for mesmo votado amanhã, o pesquisador espera que pelo menos seja criado um termo de flexibilização que inclua o uso das tecnologias para identificação de zonas de risco no futuro.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line