Impressões de um naturalista no Rio

A natureza exuberante e a diversidade da fauna e da flora da floresta tropical encantaram o jovem Charles Darwin (1809-1882) em sua passagem pelo Rio de Janeiro em 1832. Ao lado do sentimento de admiração, no entanto, estava também uma grande preocupação com as condições de vida dos escravos. As impressões do naturalista inglês em terras fluminenses foram relembradas durante expedição que refez o roteiro seguido por ele entre a capital e o norte do estado.

A expedição Caminhos de Darwin, organizada pelo Departamento de Popularização e Difusão da Ciência do Ministério da Ciência e Tecnologia, pela Casa da Ciência/ UFRJ e pelo Departamento de Recursos Minerais (DRM) do Estado do Rio de Janeiro, reuniu, durante quatro dias, pesquisadores, professores, estudantes, jornalistas e divulgadores de ciência. Acompanhado pelo tataraneto de Darwin, o escritor e conservacionista Randal Keynes, o grupo seguiu os passos do naturalista no estado e pôde observar as transformações ocorridas nos 12 municípios por onde ele passou há mais de 170 anos.

Vista da fazenda Itaocaia, em Maricá, primeira parada da expedição de Darwin. Em seu diário, o naturalista descreve a paisagem, com a rocha imponente ao fundo, além de dedicar várias passagens ao tratamento dado aos escravos (fotos: Thaís Fernandes).

O ponto de partida da expedição foi o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde Darwin costumava caçar. Em 1832, o local também era, assim como o naturalista, um jovem – tinha apenas 24 anos – e ainda não reunia toda a diversidade atual, característica dos jardins botânicos. Segundo Cyl Farney, pesquisador da instituição, Darwin chegou a registrar em seu diário de viagem que o nome “Jardim Botânico” deveria ter sido dado ao lugar “muito mais por cortesia do que por qualquer outro motivo”.

A primeira parada da expedição – e de Darwin – foi a Fazenda Itaocaia, em Maricá. Lá, o naturalista parou para comer e descansar e teve contato com os escravos, a quem dedicou várias passagens de seu diário. Darwin não concordava com a escravidão e o tratamento dispensado aos negros. Para ele, a organização das casas na fazenda lembrava a África do Sul, o que poderia ser uma tentativa de reproduzir o ambiente em que viviam os pais dos escravos.

Em Manitiba, região de Saquarema onde Darwin passou uma noite agradável e teve a “rara lembrança de uma excelente refeição”, seu tataraneto pôde conhecer a “bela e revigorante” vista descrita no diário do naturalista: a floresta nas montanhas distantes refletida na água perfeitamente calma da extensa lagoa. “Posso ver Darwin aqui”, comentou Keynes.

Encontro com a mata atlântica
Na passagem por Araruama, Darwin registrou a vegetação da restinga. Suas anotações destacam os troncos brancos cheios de orquídeas. “Para Darwin, foi uma experiência maravilhosa seguir pelo terreno arenoso das praias e depois se deparar com a mata atlântica nesse local”, disse Keynes.

No dia seguinte, Darwin seguiu para São Pedro d’Aldeia, onde sua expedição tomou café da manhã. O naturalista conta em seu diário que era um dia quente quando chegaram ao local, todos estavam famintos e o café demorou a ser servido, o que fez com que “perdessem a compostura” à mesa.

Nesse ponto do seu trajeto, Darwin começou a observar conchas distantes do mar, o que lhe forneceu indícios para refletir sobre o deslocamento do nível dos oceanos devido ao movimento das placas tectônicas. A teoria foi reforçada em sua próxima parada, a fazenda Campos Novos, em Cabo Frio, onde Darwin também registrou a coleta de conchas. O delicioso jantar – arroz, frango, biscoito, vinho e aguardente – mereceu destaque em suas anotações.

Em Barra de São João, Randal Keynes navega pelo rio que seu tataravô cruzou em 1832 em direção a Macaé. Segundo as anotações de Darwin, os cavalos seguiram a nado ao lado da canoa.

Após ter comido peixe e tomado café pela manhã na fazenda Campos Novos, Darwin chegou a Barra de São João passando mal e cruzou o rio de canoa. Em seguida, passou por Macaé e chegou a Conceição de Macabu, onde ficou vários dias e coletou insetos e répteis. “Ele pôde andar a cavalo, abrir estradas com facas, observar os hábitos locais e a natureza”, conta Kátia Mansur, geóloga do DRM e uma das organizadoras da expedição.

Segundo Mansur, no diário de Darwin também é possível perceber a importância que o naturalista dava às observações geológicas. “Ele foi o primeiro a descrever a origem dos atóis e a usar a palavra crosta para designar a camada superficial da terra”, diz.

Retorno à capital
No caminho de volta ao Rio de Janeiro, pelo interior, Darwin passou por Rio Bonito e Itaboraí. Seu diário destaca as boas condições das estradas, embora não houvesse pontes de pedra, apenas de madeira. Em alguns momentos, ele diz que preferiu atravessar pelo rio. Os carros de boi e as cruzes na estrada sinalizando locais onde pessoas tinham morrido chamaram sua atenção.

Na chegada em Niterói, Darwin descreveu a linda vista da baía, com cores intensas e o céu contrastando com as águas calmas do mar. Tudo o que ele coletou nos 18 dias de viagem foi levado para o navio Beagle, encarregado de dar a volta ao mundo fazendo medições para a marinha britânica e do qual era naturalista de bordo.

Mais tarde, Darwin alugou uma casa em Botafogo e, ao transferir o material do navio para terra firme, a embarcação virou. Felizmente – para todos nós – ele conseguiu salvar quase tudo. As observações feitas no Rio de Janeiro, onde o naturalista teve seu primeiro contato com a floresta tropical, inspiraram-no na elaboração, vinte e tantos anos depois, da teoria que revolucionou a biologia.

Thaís Fernandes (*)
Ciência Hoje On-line
03/12/2008

(*) A jornalista acompanhou a expedição a convite dos organizadores