Inimigos desnudados

Em uma guerra, conhecer o inimigo é essencial para o desenho das estratégias de combate. Esse, aliás, é um dos princípios do aclamado general chinês Sun Tzu (século 6 a.C.), autor de A arte da guerra, obra definitiva sobre táticas militares antes do colapso da China imperial. O leitor pode inquirir (com razão!) qual a relação entre Sun Tzu e imunologia.

Foi com base na ideia de conhecer o inimigo para então solapá-lo que pesquisadores da Faculdade de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) desenvolveram um método capaz de tornar as células cancerosas visíveis ao sistema imune. 

Dessa maneira, o sistema consegue distinguir claramente as células boas das doentes, organizando um ataque certeiro às células cancerosas. O trabalho que comunica esses resultados foi publicado no periódico canadense Journal of Pharmacy & Pharmaceutical Sciences.

Com base nesse novo método, cientistas da PUCRS estão na reta final do processo de avaliação clínica de uma vacina terapêutica personalizada contra o câncer de próstata. 

O ‘pulo do gato’ está em identificar, numa célula cancerosa, as principais proteínas do câncer

“Em comparação com outras vacinas, esta não irá prevenir a doença, mas ajudará a combatê-la de modo eficaz, complementando procedimentos-padrão como químio e radioterapia”, ressalta o imunologista Fernando Thomé Kreutz, coordenador da pesquisa.

O ‘pulo do gato’ do trabalho está em identificar, numa célula cancerosa do paciente, as principais proteínas do câncer. A partir de então, é possível produzir uma vacina sob medida, capaz de instigar o sistema imunológico a combater as células doentes. 

“Logo depois que o paciente a recebe, seu sistema de defesa consegue identificar as células tumorais como se tivéssemos pintado um alvo nelas”, explica Kreutz. “O sistema imune pode agora ver o inimigo com facilidade”, completa. 

 

Opção mais segura

A vacina foi administrada em 156 pacientes com câncer de próstata, como parte dos estudos clínicos em andamento em Porto Alegre (RS). Posteriormente os resultados foram comparados com os de pacientes submetidos a tratamentos convencionais para combater a doença.

Os pacientes escolhidos para receber a vacina deviam apresentar estágio avançado da doença ou ter sido acometidos por metástase (dispersão do câncer para outros órgãos) sem obter efeitos positivos com terapias convencionais. 

Dos pacientes que receberam a vacina, 38% apresentaram resposta positiva. Nesses casos houve redução ou estabilização do antígeno prostático específico (PSA), proteína indicativa de tumor presente no sangue, bem como melhora clínica. 

A vacina, em fase final de avaliação clínica, possui baixo teor de toxicidade

Recentemente a agência que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos, conhecida pela sigla FDA, aprovou a primeira vacina terapêutica contra o câncer de próstata no mundo. 

“A vantagem dessa vacina em relação à nossa é que ela não requer uma amostra do tumor, pois usa como base uma proteína associada às células de defesa”, explica o pesquisador da PUCRS.

Por essa razão, a vacina norte-americana pode ser produzida em maior escala. Mas, segundo Kreutz, ela apresenta uma desvantagem: pode levar à resistência do tumor por ter uma única proteína como alvo.

Já a vacina brasileira, por apresentar diferentes alvos (proteínas) ao sistema imunológico, é uma opção com menor possibilidade de induzir resistência. Além disso, é mais segura, uma vez que possui baixíssima toxicidade. Graças às substâncias que entram em sua composição, não produz febre, inchaço ou vermelhidão no local da aplicação, entre outros efeitos colaterais. 

A equipe de Kreutz pretende concluir o trabalho até o final de 2011. O mesmo método já está sendo estudado com o objetivo de dar origem a vacinas personalizadas também para casos de câncer de mama, ovário e pulmão.

 

Luan Galani

Especial para Ciência Hoje / PR