Jeito natural de prevenir cáries

Uma fruta encontrada em uma área que se extende da Amazônia ao Rio Grande do Sul pode ser o futuro da prevenção de cáries. Pesquisadores brasileiros descobriram no bacupari uma substância tão eficiente no combate à bactéria que ataca os dentes quanto o antisséptico químico mais usado por dentistas em consultório. Ao contrário dos compostos artificiais, o antibiótico natural não altera o paladar e não provoca manchas nos dentes.

A substância encontrada no bacupari, a 7-epiclusianona, foi isolada e identificada pela primeira vez em 1999 pelo químico Marcelo dos Santos, do Laboratório de Fitoquímica e Química Medicinal da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), em Minas Gerais. O pesquisador já estudava o bacupari há mais de 16 anos e descobriu suas propriedades antibacterianas a partir do uso popular da fruta. “Mesmo sem a comprovação científica, algumas pessoas usavam o bacupari em garrafadas e chás para curar infecções e tumores”, conta.

Em baixas concentrações, o extrato da casca de bacupari inibe a ação da bactéria causadora da cárie.

A partir desses resultados, pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprovaram agora em testes com culturas de bactérias a eficiência da substância no combate a cáries e descobriram que ela é encontrada em maior concentração na casca do bacupari. O extrato da casca da fruta se revelou um poderoso antibiótico: em baixas concentrações, entre 2,5 e 5 microgramas/mililitro, ele inibe a ação da principal bactéria causadora da cárie, a Streptococcus mutans.

 

Barreira contra as placas

Diferentemente da clorexidina – antisséptico químico mais usado pelos dentistas –, a 7-epiclusianona não mata a bactéria da cárie, mas a torna inofensiva. Quando a higiene bucal não é adequada, essas bactérias, que vivem na boca, grudam nos dentes e formam uma placa. Juntas, elas transformam o açúcar dos restos de alimentos em um ácido que corrói o dente. A substância presente no bacupari impede a formação da placa, além de inibir a produção do ácido.

Experimento in vitro com bactérias S. mutans
Experimento in vitro feito com bactérias S. mutans comprovou a eficiência 7-epiclusianona no combate às cáries (foto: Myrella Castro).

“A 7-epiclusianona age segundo um conceito moderno de antibiótico”, diz o farmacologista Pedro Rosalen, professor da Unicamp envolvido na pesquisa. “A morte de bactérias é pequena. A S. mutans continua lá, mas a substância age impedindo a doença.”

Rosalen explica que a clorexidina remove toda a placa rapidamente, mas em alguns minutos ela se forma de novo, porque outras bactérias surgem na boca.

“Ao contrário da clorexidina, a 7-epiclusianona não possui ação instantânea, mas é mais eficiente como meio de prevenção da cárie porque inibe a ação das bactérias”, reforça.

 

Seletividade e segurança

O antibiótico extraído do bacupari tem ainda outras vantagens sobre a clorexidina. Ele é uma substância seletiva, que age somente sobre a bactéria da cárie e não mata outros microrganismos naturais da flora bucal, ao contrário da clorexidina. Experimentos com ratos demonstraram ainda que a 7-epiclusianona não é tóxica nem tem efeitos colaterais. Já a clorexidina tem toxicidade leve, além de apresentar gosto desagradável e provocar alteração no paladar e manchas nos dentes.

No entanto, Rosalen ressalta que não é possível descartar o uso da clorexidina. “Para doenças de gengiva, nas quais não testamos a nossa substância, não existe alternativa melhor que a clorexidina até o momento.”

O estudo ainda está na fase pré-clínica e os testes com humanos devem começar no ano que vem. Ainda não foram criados produtos de higiene bucal com a 7-epiclusianona, mas a patente do uso da substância no combate a cáries já foi concedida às universidades envolvidas na pesquisa. A ideia é que, após realizados todos os testes, a substância do bacupari comece a ser produzida artificialmente em laboratório para ser inserida no mercado.

“Queremos fazer a síntese da 7-epiclusianona, mas esse é um processo muito complexo, que requer alguns reagentes específicos que não temos aqui no laboratório”, conta Marcelo dos Santos. O pesquisador alerta para a urgência de se produzir a substância no Brasil, pois cientistas norte-americanos já iniciaram a síntese laboratorial de um antibiótico semelhante à 7-epiclusianona.

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line