Joelho de laboratório

Praticantes de esportes de impacto são sérios candidatos a ter problemas nos meniscos, cartilagens responsáveis por amenizar os choques entre as articulações dos joelhos e que, quando lesionadas, devem ser retiradas cirurgicamente. Para melhorar a qualidade de vida de quem sofre esse tipo de lesão, o químico Célio Wataya desenvolveu, durante seu doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma técnica para a produção de próteses de menisco personalizadas.

Atualmente, quem lesiona essa cartilagem – em geral, atletas, idosos e vítimas de acidentes – precisa passar por uma artroscopia, ou seja, a remoção cirúrgica da área afetada, para que a fissura não se expanda. Esse procedimento é apenas paliativo, pois, com a redução do menisco, a parte restante acaba sofrendo mais impacto, o que leva ao aparecimento de novas lesões na região, além de provocar muita dor.

Os modelos de prótese disponíveis são confeccionados de forma artesanal e suas medidas dificilmente são idênticas às do menisco original

A necessidade de cirurgia em casos de lesão nos meniscos deve-se à capacidade de regeneração praticamente nula da cartilagem, devido à presença reduzida de vasos sanguíneos na região. Segundo Wataya, para se recuperar naturalmente, uma pessoa teria que ficar cerca de quatro anos de cama, sem mexer o joelho.

O pesquisador acrescenta que hoje já é possível implantar uma prótese após a artroscopia. Mas os modelos disponíveis são confeccionados de forma artesanal; por isso, suas medidas dificilmente são idênticas às do menisco original, o que impede o encaixe perfeito no joelho.

Modelo fiel

A técnica desenvolvida por Wataya usa imagens de tomografia computadorizada do joelho do paciente para a confecção da prótese. As imagens são tratadas em um programa de computador de software livre chamado InVesalius, que permite obter uma imagem em 3D totalmente fiel da região. Essas informações são enviadas para um equipamento de prototipagem rápida, que produz um molde do menisco em poliamida, material escolhido por ser antiaderente.

Imagem 3D de joelho
A prótese personalizada é feita a partir de uma tomografia do joelho lesionado (à esq.), que passa por um programa de computador para ser transformada em uma imagem 3D (no centro), que depois é aperfeiçoada (à dir.). (imagem: Célio Wataya)

Esse molde é então preenchido com hidrogel de polivinil álcool (PVA), polímero sintético que apresentou boa resposta em testes de resistência e biocompatibilidade (habilidade de interagir com o organismo sem prejudicá-lo). Para testar essa capacidade, Wataya implantou pedaços de PVA na calota craniana de ratos. Segundo ele, o corpo dos animais não rejeitou o material e não houve qualquer complicação.

Após ser retirado do molde, o PVA recebe um tratamento químico para formar ligações mais fortes entre suas moléculas, um processo chamado reticulação. Em condições normais, o polímero dissolveria ao entrar em contato com o líquido sinovial, responsável por diminuir a fricção na região do joelho.

Mas a reticulação precisa ser fortalecida para garantir a integridade do PVA. Então, a prótese é congelada – para que mantenha a forma exata do molde – e, por fim, recebe raios gama. “Dessa forma, ela atinge uma temperatura tão alta que uma rede de polímeros se forma, tornando o material consistente”, relata Wataya. O processo todo demora cerca de 20 dias. Depois disso, o médico só teria o trabalho de substituir o menisco lesionado pelo artificial.

Entraves à produção

A grande dificuldade da técnica está no fato de não existirem equipamentos de prototipagem rápida que trabalhem diretamente com o PVA. A necessidade de criar um molde acaba atrasando a confecção. “Se pudéssemos fabricar a prótese diretamente, ela já poderia estar sendo produzida em massa”, afirma o pesquisador.

Molde de menisco
Molde de menisco personalizado feito a partir de prototipagem rápida. (foto: Célio Wataya)

Outro problema é o tratamento do material com raios gama, que encarece o processo. Por isso, Wataya está buscando outras formas para completar a reticulação. Segundo ele, já houve tentativas de utilizar raios infravermelhos e ultravioletas, mas os resultados não foram promissores.

O químico, que é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), faz questão de ressaltar que seu trabalho é resultado da junção de muitos estudos de outros cientistas, especialmente o do médico japonês Masanori Kobayashi. “Ele já havia criado uma prótese com o mesmo material que eu usei, a diferença é que era artesanal: ele fabricava um tubo de PVA, reticulava, cortava em fatias e produzia a cartilagem manualmente”, relata.

A Unicamp já manifestou interesse em testar o menisco artificial personalizado em seres humanos

Segundo o pesquisador, Kobayashi também testou as propriedades do PVA. Na ocasião, os meniscos artificiais foram implantados em coelhos e avaliados dois anos após a cirurgia. Os animais não apresentaram rejeição e as próteses ficaram praticamente intactas.

Wataya conta que não pretende solicitar a patente da técnica criada por ele. “Quero que a prótese seja socializada. O importante é que o maior número possível de pessoas tenha acesso ao produto.” O químico acrescenta que a Unicamp já manifestou interesse em testar o menisco artificial personalizado em seres humanos. “A técnica está à disposição na biblioteca central da universidade”, conclui.

O próximo objetivo do pesquisador é desenvolver, com auxílio de seus alunos do curso de engenharia de materiais do IFPA, próteses para as cartilagens das vértebras.

Yuri Hutflesz
Ciência Hoje On-line