Jornalismo de ciência desafiado

Divulgar ciência nunca foi fácil. E, atualmente, tanto se aprofundam os desafios dessa área quanto surgem novas oportunidades para realizar essa tarefa. Mas como conquistar o público em um momento em que se dispõe de grande volume de informação nos mais diversos formatos e abordagens?

Esse foi o tema abordado na mesa-redonda ‘Os novos caminhos da divulgação em ciência na mídia: jornalismo em transformação, interatividade, redes sociais’, que aconteceu na 3ª Feira Faperj Ciência, Tecnologia e Inovação, promovida em outubro pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Os debatedores lembraram que, em divulgação científica, não basta seguir uma receita de bolo.

Apesar disso, para a jornalista Alicia Ivanissevich, editora da revista Ciência Hoje, existem alguns pontos-chave para um contrato de sucesso entre jornalistas e público. “Nada adianta, por exemplo, ser o veículo mais veloz, se a informação divulgada está equivocada”, disse a editora. “Mais importante do que a agilidade é a qualidade da notícia veiculada. Evitar a ‘pasteurização’, em que um tema é tratado sempre a partir dos mesmos enfoques, é fundamental para se destacar e fugir de reportagens pouco analíticas”, completou.

Esteves: A modernidade não impôs mudanças apenas ao jornalismo. O jeito de se produzir e de se difundir o conhecimento científico vem se transformando bastante ao longo das últimas décadas

Segundo Ivanissevich, é necessário não apenas mostrar os resultados de sucesso, mas também o processo de produção da ciência, com seus erros e acertos. Além disso, é preciso evitar notas superficiais sobre estudos pouco significativos e dar preferência a matérias investigativas, narrativas e interpretativas.

O jornalista Bernardo Esteves, responsável pelo blogue ‘Questões da Ciência’, da revista Piauí, ressaltou que a modernidade não impôs mudanças apenas ao jornalismo. “O jeito de se produzir e de se difundir o conhecimento científico vem se transformando bastante ao longo das últimas décadas”, observou.

Lembrando casos recentes, como o das supostas bactérias alienígenas da Nasa (agência espacial norte-americana), que gerou grande polêmica à época, Esteves explicou que é também tarefa do jornalista compartilhar essas controvérsias com o leitor. “Antigamente, ter um artigo publicado era mais sacralizado do que hoje”, comparou. “A interatividade já não permite esse quadro.”

Alicia Ivanissevich reforçou o papel questionador do jornalista: “A ciência não é a dona da verdade. Somos parceiros dos cientistas na expansão da cultura científica, mas não intermediários acríticos nem meros tradutores dos que produzem conhecimento. O pensamento crítico e a vigilância da produção científica devem ser constantes e farão a diferença entre os bons jornalistas e as pessoas que apenas distribuem informação.”

O público e a transparência

Outro ponto discutido foi a necessidade de os meios de comunicação digitais conhecerem melhor o seu público e entenderem seus interesses. “Se me perguntarem qual é o leitor do jornal, eu saberei dizer, mas, se me perguntarem sobre o site, não tenho como afirmar com certeza”, expôs a jornalista Ana Lúcia Azevedo, editora de ciência, meio ambiente, saúde e história do jornal O Globo. “O tempo de permanência de um leitor, em média, no site inteiro, lendo sobre saúde, cultura, política etc., é de 2 minutos. As pessoas ficam 10 segundos em uma página.”

Nesse cenário, parece não haver formas de direcionar ou tentar entender como funciona o processo de busca por informação. De acordo com Azevedo, o perfil do internauta ainda permanece uma incógnita. Como traçar então uma estratégia para alcançar esse público?

Alicia Ivanissevich
Para Alicia Ivanissevich, o jornalismo que sobreviverá é aquele que privilegiar a transparência e der preferência a textos interpretativos e opinativos de ciência. (foto: Mariana Almeida/ Imagem Carioca)

Segundo Ivanissevich, os meios que sobreviverão serão aqueles que mantiverem a transparência. “Mais do que a objetividade, importa fazer um jornalismo de opinião, em que fiquem claros os interesses envolvidos tanto das fontes quanto do próprio jornalista”, destacou a editora da Ciência Hoje. “Cada vez mais, o texto informativo cederá espaço à interpretação e ao comentário.”

Ivanissevich: “Mais do que a objetividade, importa fazer um jornalismo de opinião, em que fiquem claros os interesses envolvidos tanto das fontes quanto do próprio jornalista”

A suposta imparcialidade não motiva, não envolve e sequer é real. Já quando o jornalista toma uma posição, e é honesto quanto a isso, o público cria um laço de confiança com ele. Isso é fundamental, já que o acesso à informação está cada vez mais fácil e livre. As pessoas já não precisam se submeter às condições do veículo para terem acesso a certas notícias, basta ter interesse e buscá-las.

Outra tendência crescente é o contato direto entre público e cientista. “Acessar e ter resposta diretamente do cientista mobiliza o interesse [das pessoas]”, disse a jornalista Elisa Oswaldo-Cruz Marinho, coordenadora da assessoria de comunicação da Academia Brasileira de Ciências. Essa é uma ponte importante que pode ser muito facilitada pelo jornalista. “Às vezes o público descobre interesses que não tinha inicialmente.”

Os palestrantes também lembraram que o jornalismo científico, assim como todo o jornalismo, vive um momento de crise. “E não é porque o futuro é digital, é porque o presente é digital e nós não estamos sabendo lidar bem com isso”, apontou Ana Lúcia Azevedo. “Simultaneamente a isso, a audiência cresce. Decidir como esse quadro se desenvolverá daqui para frente já não é uma questão unilateral.”

Isadora Vilardo
Ciência Hoje On-line