Kyoto não é o bastante

As queimadas na Amazônia respondem por cerca de 3/4 das emissões brasileiras de CO 2 (foto: Reinaldo Imbrozio Barbosa)

O Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor no início deste ano e foi ratificado por apenas 23 países, pode não ser suficiente para garantir à Terra um meio ambiente saudável nos próximos 50 anos. Isso é o que indicaram especialistas de diversas áreas reunidos em um fórum sobre mudanças climáticas realizado no Rio de Janeiro em 15 de dezembro.
 
Segundo o astrogeofísico Gylvan Meira, do Instituto de Estudos Avançados da USP, o mundo necessita de um protocolo muito mais rígido. Ele diz que a proposta de redução da emissão de gás carbônico sugerida na convenção de Kyoto representaria, na melhor das hipóteses, um resfriamento de apenas 0,15ºC na temperatura média do planeta após 100 anos. “O ideal para esse período seria uma diferença de 2ºC, mas para isso teríamos que fazer reduções de até 60% nos níveis de emissão de C02, o que causaria graves efeitos na economia.”
 
O meteorologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), destacou que prejuízos climáticos futuros são inevitáveis e os esforços devem ser tomados no sentido de amenizá-los. “A situação é tão grave que, se congelarmos os atuais níveis de emissão de CO2 – 370 partes por milhão (ppm) –, mesmo assim o planeta continuaria se aquecendo por mil anos.”
 
Nobre ressaltou também que, apesar de uma vulnerabilidade natural que gera ciclos de grande concentração de gás carbônico na atmosfera, nunca elas foram tão altas. “Em nenhuma época a concentração de C02 ultrapassou 300 ppm. Agora elas estão em 370 ppm e em um futuro próximo devem ultrapassar 450 ppm”.
 
Dentro de 50 ou 100 anos, as conseqüências para esse aumento na emissão de gases, de acordo com o meteorologista, são drásticas. “As geleiras da Groenlândia podem derreter e provocar um aumento de seis metros no nível do mar, o que afetaria 40% da população mundial”. Nobre prevê também a transformação de 50% da floresta amazônica em uma vegetação de savana, o que levaria a uma grande perda de biodiversidade.
 
Para o semi-árido nordestino, as perspectivas também são pessimistas. “A quantidade de água no solo e na superfície vai diminuir”, prevê Nobre. “Com a atual tecnologia utilizada na agricultura, não vai ser possível plantar nada.”
 
Mas vem da Amazônia a maior fonte de preocupação dos especialistas. Apenas em 2005, 19 mil km 2 de floresta foram queimados, praticamente a área do estado de Sergipe, grande parte com o objetivo de abrir terreno para o avanço da fronteira agropecuária. Apesar da queda de 30% em relação às emissões do ano passado, a floresta ainda responde por três quartos da emissão de gás carbônico do país.
 
Segundo o físico José Goldemberg, secretário do meio ambiente de São Paulo, o problema está na falta de fiscalização e de tecnologia na agricultura amazônica. Ele explica que, devido à otimização na produção, o PIB agrícola de São Paulo consegue ser igual ao da Amazônia, mesmo com uma área plantada de apenas 25 mil km 2 . “É possível ter soja ou gado em áreas menores sem prejuízos econômicos que punam os trabalhadores”, diz. Em relação à fiscalização, a questão é mais complicada. Segundo Goldemberg, seriam necessários cerca de 50 mil homens para monitorar toda a floresta, já que 70% das queimadas são ilegais.
 
Para amenizar esses problemas, os especialistas sugeriram uma integração das convenções sobre o clima, o que poderia gerar decisões mais concretas e que tivessem um verdadeiro impacto sobre o meio ambiente. O físico sugeriu também ações localizadas para combater a emissão de gases, tais como a construção de linhas de metrô e o rodízio de automóveis.
 
Goldemberg citou o exemplo do estado da Califórnia (EUA), onde o governo estimulou o uso de gás natural e de fontes renováveis de energia por seus cidadãos, além de promover medidas para otimizar o seu uso. Atualmente, cada californiano produz menos da metade de gases de efeito estufa que habitantes de outros estados norte-americanos.
 
Em todo caso, parece haver um consenso entre os participantes em relação à necessidade de uma atitude imediata. “Ainda há tempo, mas não há tempo a perder”, afirmou o jornalista André Trigueiro, mediador do evento. A Globo News, emissora de TV a cabo que promoveu o fórum, disponibilizou em seu site as apresentações de cada palestrante .

Júlio Molica
Ciência Hoje On-line
15/12/2005