Um planeta repleto de montanhas e vales, regado de rios e lagos. Não estamos falando da Terra, mas de Marte. O árido planeta vermelho já pode ter sido tão habitável quanto o nosso. A desconfiança, já bem estabelecida na comunidade científica, acaba de se fortalecer com novos dados da sonda Curiosity. Rochas coletadas pelo jipe da agência espacial norte-americana, a Nasa, mostram vestígios inéditos de um lago habitável em Marte que existiu há pelo menos 3 bilhões de anos.
Os sedimentos são fruto de uma das muitas perfurações que a sonda tem feito na cratera Gale, um buraco de 154 km de diâmetro (15 vezes a área da cidade do Rio de Janeiro) que fica na região do planeta conhecida como baía de Yellowskife. Ao estudar a amostra, uma equipe internacional de pesquisadores percebeu se tratar de sedimentos típicos de um ambiente aquático e enlameado, como um lago.
A existência de um ambiente como esse em Marte não foi novidade. Vestígios de água no planeta vermelho já são bem documentados. O inusitado veio com análises mais refinadas da constituição dos sedimentos, que revelaram a presença de carbono, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre – substâncias necessárias para a fixação de formas primitivas de vida, como bactérias.
Os sedimentos também apresentaram baixa salinidade e Ph neutro. Segundo os pesquisadores, juntas, essas características compõem um ambiente ideal para abrigar microrganismos como as bactérias litoautróficas, que se alimentam apenas de rochas.
“Sabemos que existiu água em Marte, mas água sozinha não é suficiente para manter a vida”, diz à CH On-line o geólogo Joel Hurowitz, pesquisador da Universidade Stony Brook (EUA) e um dos autores da pesquisa, publicada hoje na Science. “Para que Marte fosse habitável, seriam necessários esses elementos chave que encontramos, como oxigênio e nitrogênio, além de uma fonte de energia para o metabolismo dos microrganismos, nesse caso, as rochas.”
O estudo não encontrou evidências diretas de vida; apenas mostrou que o planeta teve tudo para que ela se formasse. Mas Hurowitz lembra que esse era mesmo o principal objetivo da missão Curiosity: descobrir se Marte já foi habitável. “Nosso estudo é a mais profunda caracterização de um ambiente fora da Terra e o primeiro a mostrar que nosso planeta não é o único com potencial para abrigar vida”, diz o cientista orgulhoso.
De oásis a deserto
Pela análise do padrão geográfico da região, os pesquisadores estimam que o lago cobria uma área de 4km2. A equipe pretende ainda fazer mais estudos, perfurando camadas mais profundas de rocha, para saber se o lago era perene ou não e determinar com mais exatidão por quanto tempo ele durou.
“Conforme perfuramos as rochas da cratera Gale, viajamos no tempo: quanto mais profundos os sedimentos, mais antigos são”, explica Hurowitz. “Se encontrarmos evidências de sedimentos de lago em camadas mais profundas, saberemos que a cratera era repleta de água em grande parte de sua história geológica. Caso contrário, poderemos concluir que a formação do lago foi um evento espaçado e que não durou muito.”
Seja com for, toda a água de Marte chegou ao fim em algum momento de sua história. Acredita-se que sua atmosfera foi ficando cada vez menos protetora e com isso a água foi evaporando para o espaço até que o planeta se tornou um deserto por volta de 3,7 bilhões de anos.
O novo estudo, no entanto, põe essa data em dúvida, já que os sedimentos do lago são mais novos. “O consenso vigente é que Marte esteve em um estado muito próximo da Terra no início de sua história geológica, no período Noachiano, antes de 3,7 bilhões de anos”, diz Hurowitz. “Agora, nossa comunidade científica vai ter que reavaliar essa linha do tempo e o período em que se considera que Marte foi habitável.”
Confira uma simulação de Marte quando ainda tinha lagos e rios no nosso Tumblr.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line