Liberdade x direito de propriedade na corte brasileira

A trajetória do mulato Antônio Pereira Rebouças, advogado autodidata baiano que foi um dos maiores combatentes pela causa da independência do Brasil — e um dos principais políticos do Império –, é o objeto de um livro recém-lançado. Fruto de uma tese acadêmica da historiadora Keila Grinberg, da Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio) e da Universidade Cândido Mendes (Ucam), O fiador dos brasileiros adota a figura de Rebouças como referência para discutir temas como cidadania, direito civil, liberdade, propriedade, raça e escravidão no Brasil do século 19.

null Nascido no Recôncavo Baiano em agosto de 1798, Antônio Pereira Rebouças — filho de um português com uma escrava liberta — vem ao mundo em um momento de conflito, no ano de eclosão da Revolta dos Alfaiates, na Bahia. Desde então, sua trajetória se estabeleceria sob o signo do conflito. Com a língua afiada e um pensamento ‘avançado’ para sua época, Rebouças colecionou desafetos e teve que se afastar precocemente da vida parlamentar.

Antônio Rebouças foi um homem da imprensa (dono do jornal O Bahiano ), secretário da província de Sergipe, conselheiro do governo e membro do Conselho Geral da província da Bahia, várias vezes deputado na Assembléia Geral nas décadas de 1830 e 1840 e um “liberal moderado” assumido. Rivalizou, portanto, com simpatizantes do partido conservador e pregou fidelidade à Constituição de 1824. Paralelamente, rejeitava a idéia de restauração lusitana e defendia a regulamentação de relações privadas — como o direito de propriedade –, em oposição a seu desejo de incluir a “população mulata” em maior participação social e política no Império.

Keila Grinberg mostra como os projetos políticos do século 19 se revelavam contraditórios e excludentes. O de Rebouças não fugiu à regra. O fiador dos brasileiros desmistifica a idéia de que o parlamentar tenha sido um abolicionista fervoroso; ele próprio defendia idéias que pressupunham a noção de respeito e proteção ao direito de propriedade. Ao exigir a inclusão de mulatos para altas patentes da Guarda Nacional, o ativista baiano acreditava que as condições primordiais seriam o aumento da renda mínima de 200 para 400 réis, bem como a posse do candidato sobre, no mínimo, dois escravos.

Por mais revolucionários que aparentassem para a época, muitos de seus ideais dificilmente rompiam com a manutenção da ordem socioeconômica e jurídica estabelecida, o que corrobora a noção de que, no Brasil escravocrata, liberalismo e luta pela cidadania não eram incompatíveis.

Rebouças morreu no Rio de Janeiro em 1880, sem o brilhantismo que o marcou e o projetou na carreira política, “construída por seu mérito, apesar da sua cor” — como ele próprio gostava de enfatizar.

 

O fiador dos brasileiros – cidadania, escravidão e
direitos civis no tempo de Antônio Pereira Rebouças

Keila Grinberg
Rio de Janeiro, 2002, Civilização Brasileira
403 páginas – R$ 39

Aline Pereira
especial para a CH on-line
19/02/03