Literatura da periferia em ascensão

 

A literatura marginal – entendida atualmente como uma literatura proveniente das classes populares – está crescendo e ganhando espaços importantes. Com o passar dos anos, o conceito desse tipo de literatura tornou-se bem diferente do de décadas atrás, quando era associado a uma produção desvinculada das grandes editoras. Hoje, a linguagem estilizada, com regras gramaticais próprias, é uma das maiores marcas dos escritores marginais, que, na maioria das vezes, também são grandes promotores de projetos sociais para incentivar a produção cultural em suas comunidades de origem.

Hoje a literatura marginal é aquela feita por escritores de classes populares, que usam uma linguagem estilizada, com regras gramaticais próprias, para tratar dos problemas da periferia – como a falta de infra-estrutura, a violência, o descaso do poder público. 

Diante da grande expansão da literatura marginal – evidenciada pela publicação de três edições especiais sobre o tema na revista Caros Amigos (nos anos de 2001, 2002 e 2004) –, a antropóloga Érica Peçanha decidiu analisar esse tipo de discurso literário em sua dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Para o estudo, foram selecionados doze escritores marginais que tiveram seu trabalho publicado na Caros Amigos (confira alguns desses textos na parte de “edições especiais” da seção “da revista” na página da  Caros Amigos  na internet ).

Segundo Peçanha, a literatura marginal atual é marcada por tratar dos problemas da periferia – como a falta de infra-estrutura, a violência, o descaso do poder público – através de uma linguagem estilizada, recheada de gírias e regras próprias de concordância e plural. “Essas particularidades resultam em uma produção literária engajada, que visa, ao mesmo tempo, dar voz ao grupo social do qual se originam os autores e enaltecer o seu modo de vida e a sua comunidade”, explica a pesquisadora.

Outra característica importante desses escritores é o fato de eles freqüentemente estarem envolvidos em projetos sociais que estimulam a leitura, a produção artística e o debate dos problemas relacionados aos seus bairros. Projetos culturais criados pelos próprios autores, como o 1daSul, a Cooperifa e o Literatura no Brasil – todos em São Paulo –, têm um papel importante na formação de novos leitores na periferia. Além disso, a fama na produção editorial os transforma em exemplos bem-sucedidos para moradores de outros bairros periféricos, principalmente para crianças.

A literatura marginal, entretanto, nem sempre foi relacionada à produção de obras literárias por pessoas que estão à margem da sociedade. Na década de 70, outra época fortemente associada à literatura marginal, os escritores eram originários das classes média e alta da sociedade e também participavam de outras atividades culturais, como o cinema, o teatro e a música. Os textos eram, em sua maioria, poemas marcados por um tom irônico, cuja temática abordava o cotidiano das camadas privilegiadas. A expressão “literatura marginal“ era proveniente dos meios alternativos de produção e circulação desses textos. “A geração atual, ao contrário, não se opõe ao mercado editorial”, lembra a antropóloga.

Peçanha também ressalta as conseqüências do crescimento da literatura marginal, com sua linguagem própria, no discurso literário. “Esses autores abrem caminho para uma maior diversificação do perfil dos escritores brasileiros e da produção literária nacional”, aponta a pesquisadora. Segundo ela, já existe uma tímida tendência da academia para o estudo desse fenômeno social. “O ponto mais importante é que a produção dos escritores da periferia vem sendo reconhecida como literatura.” Além disso, os escritores da periferia oferecem contribuições estéticas que não se encaixam nos modelos estabelecidos, o que possibilita a revisão dos parâmetros críticos que determinam o que é boa ou má literatura.

Mariana Benjamin
Ciência Hoje On-line
05/03/2007