Luís Vaz de Camões, patologista

A existência da circulação sangüínea foi comprovada em 1628 pelo inglês William Harvey (1578-1657). No entanto, 56 anos antes, Luís Vaz de Camões já dava mostras, no poema máximo da língua portuguesa, de que sabia que o coração estava o centro desse movimento e supunha que o sangue corria. Seria Camões um iniciado em assuntos médicos? Isso é o que sugere o escritor e reumatologista Pedro Nava, na conferência em que disseca a medicina presente em Os Lusíadas .

O discurso em questão foi pronunciado nas comemorações do Dia de Portugal, em 10 de junho de 1961. Apesar de ter recebido uma condecoração do governo português pela brilhante palestra, o autor só viu seu conteúdo publicado à época na revista Brasil Médico Cirúrgico . Para reparar essa lacuna, a Ateliê Editorial e a Oficina do Livro lançam A medicina de Os Lusíadas , um volume de bolso que revela a enorme engenhosidade do escritor modernista.

Diante do desafio de acrescentar elementos ao tanto que já fora dito sobre Os Lusíadas , o escritor mineiro optou por uma abordagem inspirada em sua experiência clínica, e analisou as passagens da obra relacionadas em maior ou menor grau com o exercício da medicina.

Ao citar Shakespeare, Cervantes e Molière, entre outros, Nava mostra que a literatura, com seus personagens e complexos tipos humanos, pode nos contar mais sobre o exercício clínico e os
costumes que interessam à medicina do que os próprios
documentos destinados a esse fim.

Para retratar a situação sanitária dos navegadores, por exemplo, Camões descreveu, com admirável precisão clínica, doenças como escorbuto e malária. O autor de Os Lusíadas trouxe ainda notícias sobre o tráfico de especiarias, entre elas as que foram introduzidas na terapêutica pelos médicos portugueses. Além disso, ao descrever três monstros — Indus, Ganges e Adamastor –, destacou características essenciais do gigantismo patológico.

Lançado em 1572, Os Lusíadas marca a consolidação da língua portuguesa, que atingiu com esse monumental poema épico a maturidade capaz de abarcar um significado nacional. A obra relata a viagem de Vasco da Gama em busca do caminho das Índias pelo Ocidente. Em torno desse fio condutor são feitos retrospectos e projeções da história de Portugal, numa narrativa em que personagens reais se embaralham com seres lendários e conquistas históricas, com feitos mitológicos. O registro foi composto a partir da experiência de Camões (1524?-1580), que cruzou os mares, foi testemunha viva dos grandes descobrimentos e do entusiasmo da época.

O livro traz ainda, além da palestra sobre Os Lusíadas , outros dois discursos de Pedro Nava que giram em torno da figura de Aloysio de Castro, um dos expoentes da medicina brasileira: “Medicina e humanismo”, proferido na recepção ao professor no Instituto Brasileiro de História da Medicina, e “Aloysio de Castro, o gentil homem da medicina brasileira”, em homenagem à sua memória. Juntas, as três intervenções compõem um belo volume, capaz de ser assimilado e deleitado pelo público em geral.

 

A medicina de Os Lusíadas
Pedro Nava
São Paulo, 2004, Ateliê Editorial/Oficina do Livro
Telefone: (11) 4612-9666
101 páginas – R$ 15,00

Carolina Benjamin
Ciência Hoje On-line
15/04/04