Mais educação, menos politização

O acesso do brasileiro à educação cresceu nos últimos 20 anos, mas a sua qualidade tem sido questionada. Como, afinal, avaliar se o ensino de um país está se revertendo em ganhos efetivos para a sua população? Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) criaram um modelo matemático para medir o retorno da nossa educação, em termos políticos, ao longo desse período.

“Como cientista político, eu tinha interesse em saber como a escolarização vinha influenciando, com o passar do tempo, o comportamento político de estudantes”, afirma Rogerio Schlegel, autor da tese ‘Educação e comportamento político: os retornos políticos decrescentes da educação brasileira recente’.

O ensino estaria progressivamente perdendo sua capacidade de diferenciar os cidadãos em termos de comportamento político

Como o título sugere, a conclusão principal do trabalho aponta para um cenário um tanto preocupante, mas que não chega a surpreender: a educação de hoje estaria capacitando menos os alunos em matéria de conhecimento e raciocínio do que a de tempos atrás. Com isso, o ensino também estaria progressivamente perdendo sua capacidade de diferenciar os cidadãos em termos de comportamento político.

Um exemplo: o ensino médio, faixa de escolarização que teve a maior taxa de expansão no período avaliado, sofreu, desde o fim dos anos 1980 até os anos 2000, a maior perda de retorno político.

Para chegar a conclusões como essa, Schlegel e colegas tomaram emprestado um conceito usado em economia, chamado retorno econômico da educação, e o adaptaram à política.

Para calcular o novo índice, contaram com a ajuda de um modelo estatístico, desenvolvido a partir dos dados coletados em quatro pesquisas nacionais de opinião, realizadas entre 1989 e 2006.

A mais recente delas, de 2006, foi conduzida pelo próprio grupo de pesquisa de Schlegel na USP, reproduzindo perguntas presentes nas três anteriores: de 1989, 1993 e 2002. “É muito difícil pesquisar no Brasil, por isso tivemos que recorrer a esse material já coletado anos antes”, comenta o pesquisador.

As perguntas escolhidas para integrar o questionário da pesquisa visavam avaliar sobretudo o quanto os cidadãos se engajam na política – mostrando interesse e se informando sobre o tema, tomando parte em manifestações e associações, como sindicatos, e votando, por exemplo – e o quanto apoiam os princípios democráticos, como a ideia de que todos devem participar do governo.

A partir das respostas e dos níveis de escolaridade dos entrevistados, os pesquisadores examinaram as diferenças no nível de engajamento político entre mais e menos escolarizados, comparando-as ao longo dos anos.

Democracia sob investigação

A análise revelou que, em 1993, um universitário tendia a ser 3,6 vezes mais interessado em política do que uma pessoa com o ensino fundamental incompleto. Já em 2006, esse número caíra para 1,6.

A escolarização tornou-se indiferente para a adesão à democracia

Em relação à filiação partidária e ao apoio à democracia, os resultados também mostraram queda na diferença de engajamento político entre os níveis de escolaridade. Além disso, revelaram que a escolarização tornou-se indiferente para a adesão a essa forma de governo.

Em 1989, por exemplo, uma pessoa com o 2º grau completo tinha 66% mais chance de preferir a democracia a qualquer outro sistema de governo, se comparada a alguém sem diploma do 1º grau. Na década passada, já não era possível diferenciar, em termos de preferência à democracia, duas pessoas com os mesmos perfis.

Por outro lado, independente da comparação entre escolaridades, a proporção de brasileiros que hoje apoiam a democracia cresceu desde o final dos anos 1980, quando houve a redemocratização após o regime militar iniciado em 1964.

Manifestação pelas ‘Diretas Já’
Manifestação na Câmara dos Deputados pelas ‘Diretas Já’, em 1984. A proporção de brasileiros que apoiam a democracia cresceu com a redemocratização, mas a adesão a essa forma de governo tem diminuído entre as pessoas com maior nível de escolaridade. (foto: Célio Azevedo/ Agência Senado – CC BY-NC 2.0)

Schlegel ressalta, no entanto, que esse aumento não indica que a preocupação com os princípios democráticos deva ser abandonada, pois ainda há alguns aspectos da democracia a serem melhorados. “Hoje, um em cada três brasileiros a considera indiferente ou diz preferir outra forma de governo”, justifica.

O pesquisador destaca ainda que o declínio do interesse político não ocorreu em todas as dimensões. “Em áreas como a mobilização a partir de abaixo-assinados, houve até aumento nesse retorno”, diz.

“Acreditamos que as formas tradicionais de participação política estejam perdendo importância, enquanto as menos hierarquizadas vêm ganhando prestígio.”

Por um ensino de qualidade

O estudo de Schlegel é um dos primeiros a avaliar a qualidade da educação a partir do engajamento político por ela proporcionado. “Enquanto educadores vêm discutindo os ganhos pedagógicos da educação e economistas, seus ganhos econômicos, nós demos um passo além ao promover essa discussão sobre seu retorno político”, defende o pesquisador.

Sala de aula
Após avaliar a qualidade da educação a partir do engajamento político por ela proporcionado, os pesquisadores da USP pretendem agora identificar se esse comportamento é mais influenciado pelo título escolar em si ou pela capacidade cognitiva adquirida na escola. (foto: Pål Berge – CC BY 2.0)

“Sabemos que está havendo ganho, mas ele é menor do que já houve no passado. A educação deve ser para todos, sim, mas é ainda mais importante que ela tenha qualidade, para que possa produzir todos os efeitos benéficos esperados”, alerta.

Focado nisso, o pesquisador agora pretende desenvolver um modelo capaz de medir o quanto uma pessoa é capacitada cognitivamente pela escola para, então, identificar de onde vem a maior influência para o retorno político: do título escolar ou da cognição?

“Essa seria mais uma estratégia para avaliar se a escola está realmente capacitando menos os seus alunos”, conclui Schlegel.

Carolina Drago
Ciência Hoje On-line