Mais perguntas que respostas

Neste ano, a física voltou a atenção para o mundo microscópico. Partículas como os neutrinos e o bóson de Higgs roubaram a cena em experimentos que, em sua maioria, foram inconclusivos ou polêmicos. Na área quântica, o contrário aconteceu e fenômenos previstos apenas em teoria foram verificados na prática.

Os neutrinos mais velozes que a luz, embora não sejam reconhecidos por todos, sem dúvida foram o destaque do ano. Em setembro, pesquisadores do experimento italiano Opera anunciaram que em testes feitos durante três anos, neutrinos disparados no laboratório do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, percorreram a distância de 730 km até o Laboratório Nacional de Gran Sasso, na Itália, em uma velocidade 60 nanosegundos mais rápida do que a luz.

Segundo a teoria da relatividade especial de Einstein, nenhum objeto com massa poderia ser acelerado acima do fóton no vácuo. A possibilidade de que o maior gênio da física estivesse errado causou rebuliço e logo a comunidade científica colocou em dúvida os resultados do experimento, que já havia sido repetido 15 mil vezes.

Em novembro, os cientistas do Opera refizeram os testes para tentar eliminar erros que pudessem ter sido cometidos no anterior. O resultado foi o mesmo. Ainda assim, muitos físicos não acreditam na validade do experimento.

Silveira: “Não estou convencido que tais neutrinos mais ágeis que a luz existam”

“Não estou convencido que tais neutrinos mais ágeis que a luz existam”, diz o físico Enio da Silveira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC). “A possibilidade de erros instrumentais em uma medida dessas é muito grande.”

Os próprios autores do estudo admitem a possibilidade de erro e já declararam que esperam pela repetição do experimento por outra equipe. Outros dois experimentos, o japonês T2K e o estadunidense Minos, já estão cotados para repetir o teste no ano que vem.

Apesar de parecer revolucionária, a possibilidade da existência de partículas mais velozes que o fóton não é nova. Desde o início do século 19 físicos postulam a existência dos táquions, que seriam justamente partículas naturalmente mais velozes que a luz.

Em 1986, um grupo de pesquisadores italianos liderados pelo físico Erasmo Recami, atualmente professor convidado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sugeriu que os próprios neutrinos poderiam ser mais velozes que a luz – superluminais –, e que isso não invalidaria a teoria da relatividade.

Para acomodar essa ideia, Recami criou uma versão atualizada para a teoria de Einstein, a teoria da relatividade especial estendida (tema de artigo na CH), que poderá ganhar peso caso o experimento Opera se mostre válido.

Recami: “Acredito que o experimento Opera esteja correto, mas ninguém quer acreditar nos resultados por puro medo de que isso signifique uma quebra com a teoria da relatividade”

“Acredito que o experimento Opera esteja correto, mas ninguém quer acreditar nos resultados por puro medo de que isso signifique uma quebra com a teoria da relatividade”, diz Recami. “Mas a teoria da relatividade estendida mostra que é possível a existência de neutrinos supraluminais sem problemas. Essas partículas não invalidam a teoria de Einstein, pois não são aceleradas acima da velocidade da luz, já ‘nascem’ com uma velocidade superior.”

As partículas de carga neutra também foram alvo de pesquisas internacionais com participação de físicos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que este ano chegaram a um valor mais preciso para o ângulo de mistura teta 13, parâmetro envolvido na transformação dos neutrinos e que pode ajudar a entender a incógnita do sumiço da antimatéria durante a formação do universo.

Procura incerta

Outra partícula que deixou muitos físicos ansiosos foi o bóson de Higgs, postulado pelo físico inglês Peter Higgs na década de 1960 para explicar a origem da massa na matéria. O bóson de Higgs é uma peça fundamental do atual modelo padrão da física de partículas, mas sua existência nunca foi comprovada.

No final deste ano, pesquisadores que procuram pela partícula nos experimentos CMS e Atlas, conduzidos no Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), divulgaram seus mais novos resultados. A expectativa de que o bóson fosse encontrado era grande, mas até agora eles só foram capazes de dizer onde a partícula não está.

A resposta definitiva foi prometida para o ano que vem, quando novos experimentos examinarão outras faixas de massa onde ele poderia estar escondido.

Colisão de prótons
A imagem mostra uma colisão de prótons produzida no LHC na tentativa de encontrar o bóson de Higgs. Cientistas acreditam que no ano que vem já terão resposta sobre a existência da partícula. (foto: Lucas Taylor/ Cern)

Caso a existência do bóson seja confirmada, o que é esperado pela maioria da comunidade científica, a física de partículas segue o seu caminho. Já se o bóson não for encontrado, essa área da física sofrerá uma reviravolta e novos modelos terão que ser criados para explicar melhor a formação e constituição do universo.

Descobertas quânticas

A física quântica foi outra área que mostrou avanços importantes. Pela primeira vez, pesquisadores mostraram que fenômenos quânticos também podem ocorrer em sólidos macroscópicos e visíveis a olho nu. O feito foi de físicos do Canadá, Inglaterra e Singapura, que criaram um emaranhamento entre duas partículas de dois diamantes.

O emaranhamento quântico é um dos misteriosos processos da física no qual duas partículas separadas se conectam de modo que as características de cada uma delas deixam de ser individuais e passam a ser compartilhadas. O feito abre caminho para o desenvolvimento de supercomputadores quânticos, que usariam o emaranhamento para processar informações mais rapidamente.

Outra experiência de destaque no mundo quântico foi a criação de luz a partir do vácuo, uma possibilidade prevista pela mecânica quântica há mais de 40 anos e, até este ano, nunca comprovada.

Os físicos da Universidade de Tecnologia Chalmers, na Suécia, partiram da ideia de que o vácuo não é totalmente vazio, mas sim repleto de partículas virtuais, que constantemente transitam entre estados de ‘existência’ e ‘não existência’.

Os pesquisadores usaram uma espécie de espelho que simula a velocidade da luz para transformar fótons virtuais em fótons reais, detectáveis por sensores. O experimento ratificou a teoria chamada de efeito Casimir, segundo a qual essa transformação seria possível se fótons virtuais ‘quicassem’ em um espelho que se movesse em velocidade semelhante à da luz.

Experimento efeito Casimir
A ilustração mostra o experimento que comprovou o efeito Casimir e criou luz no vácuo. O espelho redondo se move em velocidade semelhante à da luz e produz dois fótons reais (laranjas) a partir de dois fótons virtuais (roxos). (imagem: Philip Krantz/ Universidade Chalmers)

Por enquanto, a experiência tem validade apenas no estudo teórico da mecânica quântica, mas os pesquisadores envolvidos acreditam que o feito, se mais estudado, pode ajudar na compreensão do ainda misterioso vácuo.

Mistério parece que foi a palavra-chave deste ano para a física. Alguns experimentos comprovaram ideias anteriores, mas as pesquisas de maior destaque foram aquelas que ameaçaram as teorias mais aceitas e deixaram dúvidas para serem resolvidas no ano que vem. Assim, só nos resta esperar até a retrospectiva de 2012 para ver o fim (ou começo) dessa história de incertezas.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line