Mais rápido e acessível

Milhares de pessoas infectadas por doenças sexualmente transmissíveis desconhecem seu estado sorológico. Um dos motivos para isso é a dificuldade de acesso aos centros de saúde e testes diagnósticos. Um novo material para detecção de HIV e da bactéria causadora de sífilis (Treponema pallidum) pretende ampliar as fronteiras do exame para áreas distantes dos grandes centros urbanos.

Desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Columbia, em Nova Iorque (Estados Unidos), e divulgado ontem (31/7) na edição on-line da revista Nature Medicine, o teste é realizado por meio de um pequeno chip de aproximadamente 45 cm2, constituído de nanopartículas e microfluidos.

Com custo inferior a um dólar, o mChip não requer infraestrutura laboratorial, eletricidade ou ajuda profissional para interpretação do resultado

Com custo de produção inferior a um dólar, o mChip – como foi apelidado – pode ser utilizado em postos de saúde, não requer infraestrutura laboratorial, eletricidade ou ajuda profissional para interpretação de seu resultado, que fica pronto em 15 minutos.

Os autores escolheram a sífilis e a Aids dentre as demais doenças sexualmente transmissíveis após ouvirem 60 profissionais da área de saúde na Índia, Tanzânia e Ruanda. Eles defenderam a necessidade de um tipo de teste que fizesse a triagem das duas enfermidades.

“Ambas as doenças são tratáveis em gestantes diagnosticadas, com administração de antirretrovirais para a infecção por HIV e tratamento com penicilina para reduzir a sífilis congênita”, argumentam os autores no estudo.

No artigo, os pesquisadores propõem que o dispositivo seja utilizado em países em desenvolvimento, especialmente na África, e argumentam que, ao miniaturizar um complexo teste de laboratório, pode-se estender sua aplicação a áreas remotas, com condições de saúde extremamente precárias.

Detecção, triagem e resultados

O mecanismo utilizado para detecção do vírus e da bactéria se baseia nos princípios do ensaio imunoenzimático conhecido como ELISA. Nele, uma superfície plástica é impregnada de antígenos e, em seguida, uma amostra de sangue ou de soro do paciente é adicionada. Caso a amostra contenha anticorpos contra os antígenos, eles serão detectados por mudança de cor ou emissão de luz após o acréscimo de um reagente.

No mChip, após uma picada de agulha, o paciente encosta a ponta do dedo com uma gotícula de sangue em um orifício do dispositivo. O sangue passa por pequenos canais retorcidos podendo reagir ou não com proteínas do HIV e da T. pallidum introduzidas em locais específicos na superfície interna do material.

Chip diagnóstico Columbia University
Ao entrar pelo orifício da placa, a gota de sangue passa pelos retorcidos canais do ‘chip’ e pode interagir ou não com antígenos virais e bacterianos introduzidos na superfície interna do material. (foto: Curtis Chin/ Columbia University)

O encontro entre anticorpos presentes no sangue e os antígenos virais e bacterianos no dispositivo é revelado por um reativo de prata, que emite um sinal de luz amplificado para permitir a visualização do resultado a olho nu, sem a necessidade de aparelhos mais robustos.

A sensibilidade e a especificidade do mChip foram testadas em pacientes do Hospital Muhima, em Kigali, capital da Ruanda. Em 67 amostras de plasma sanguíneo e soro, a sensibilidade do teste foi 100% para o HIV e 95% para a bactéria causadora da sífilis. Já na avaliação de especificidade, o resultado não foi tão bom, com três amostras falso-positivas para o HIV e cinco para a T. pallidum.

“É um método bem engenhoso; o chip tem potencial para ser utilizado para mais antígenos e ser amplamente difundido”, afirma o virologista Amílcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que trabalha na avaliação de diagnósticos para o HIV.

“No Brasil, ele não seria aprovado, pois o Ministério da Saúde exige um índice de 99% de especificidade ao vírus”

Apesar do otimismo, ele pondera: “Mas o teste ainda carece de maior precisão. No Brasil, ele não seria aprovado, pois o Ministério da Saúde exige um índice de 99% de especificidade ao vírus”.

A prevalência de Aids em Ruanda é de 3% da população e, em Kigali, chega a 8%. Para Tanuri, a detecção dos infectados é a grande “vacina” contra o HIV. “Se o paciente sabe qual o seu estado sorológico, pode ser tratado e diminuir a carga viral que possui. Assim, ele tem menor chance de transmitir a doença.”

Gabriela Reznik
Ciência Hoje On-line