Mais realista que o rei

A legislação ambiental brasileira e as práticas tradicionais da agricultura familiar vivem um conflito que tem como alvo a exploração sustentável de uma árvore chamada bracatinga, importante fonte de renda para agricultores do noroeste catarinense. Segundo estudo realizado pelo engenheiro agrônomo Walter Steenbock, do programa de Pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o sistema tradicional de manejo dessas árvores é essencial para sua conservação, embora seja proibido por lei.

A bracatinga começou a ser usada durante a colonização do Sul do Brasil, quando imigrantes vindos de diferentes pontos do globo buscavam meios de combater o rigoroso inverno da região. Ao acaso, descobriram que o fino caule dessa árvore que atinge até 16 m de altura escondia uma verdadeira usina térmica.

Hoje se sabe que o poder calorífico da Mimosa scabrella é maior que o de espécies como o pínus e o eucalipto. Mas essa é apenas uma das inúmeras virtudes da planta, segundo a Embrapa Florestas. Ela pode ser usada também na indústria de cosméticos e até para recuperar áreas degradadas.

Já é possível tirar renda de um bracatingal a partir do primeiro ano de cultivo

A principal vantagem desse uso múltipo é que, para cada tipo de produto, podem ser empregadas plantas de diferentes idades. Assim, já é possível tirar renda de um bracatingal a partir do primeiro ano de cultivo até o final do seu ciclo, que é de aproximadamente 20 anos.

Isso não acontece em um plantio de pínus ou eucalipto, nos quais o retorno financeiro só começa a acontecer a partir do sétimo ou oitavo ano. Por isso, a bracatinga é uma espécie adequada à agricultura familiar, que precisa de renda contínua para se manter.

Lei versus sabedoria popular

Famílias de agricultores que vivem em assentamentos no noroeste do planalto catarinense dedicam à bracatinga os mesmos cuidados dispensados às plantações de feijão e milho. Vale lembrar que a exploração de bracatingais garante metade de sua renda.

Medição de bracatingas
Agricultores medem a espessura do tronco de bracatingas. A exploração sustentável dessas árvores assegura boa parte da renda de famílias assentadas na zona rural do noroeste catarinense e garante a preservação da espécie vegetal (foto: Walter Steenbock).

Segundo Steenbock, os agricultores seguem as recomendações da sabedoria popular, como usar fogo controlado para quebrar a dormência das sementes, controlar o acesso do gado e cortar as árvores só depois de terem dado semente ao menos três vezes.

Os resultados do estudo mostram que o sistema tradicional adotado pelos agricultores é crucial para a manutenção dos bracatingais. “Com o conhecimento que têm, as famílias manejam as árvores, mantendo áreas significativas com cobertura florestal em seus lotes e promovendo a diversidade genética da espécie”, conta o pesquisador da UFSC.

Mas, segundo a legislação ambiental brasileira, esses agricultores agem ilegalmente. Segundo a lei, os bracatingais são florestas nativas e não podem ser cortados.

As florestas de bracatinga se mantêm e expandem graças à ação dos agricultores

O trabalho de Steenbock mostra, no entanto, que as florestas de bracatinga se mantêm e expandem graças à ação dos agricultores. “O manejo dessas florestas é uma opção de uso do solo; os bracatingais manejados não são uma cobertura vegetal nativa que requer proteção especial”, explica o pesquisador.

Ele afirma que, ao cuidar da bracatinga para obter renda de modo sustentável, o agricultor assegura a perpetuação da espécie. Portanto, a seu ver, a legislação é menos conservacionista que a ação dos agricultores.

Segundo Steenbock, a lei brasileira opta pela adoção de práticas desvinculadas da realidade local. “A postura legal prejudica as populações tradicionais e negligencia o fato de que o uso que fazem dos recursos naturais é potencialmente sustentável do ponto de vista ecológico”, critica.

A restrição da legislação acaba favorecendo a centralização da exploração dos bracatingais e a elevada agregação de valor por intermediários da cadeia produtiva. Portanto, segundo Steenbock, é preciso que a lei seja alterada, para que os agricultores assentados trabalhem de forma legal e com maior inserção na cadeia produtiva.

Hoje, para autorizar o manejo de um bracatingal, os órgãos ambientais exigem a realização de vários levantamentos e estudos, que, segundo estimativas, chegam a custar R$ 8 mil. “Como o agricultor de um assentamento vai conseguir essa quantia?”, questiona Steenbock. “Assim ele não consegue legalizar a situação”.

Floresta de bracatingas
Bracatingal no noroeste de Santa Catarina. Na região, pesquisador da UFSC realizou estudos que mostram conflito entre a legislação ambiental brasileira e a exploração sustentável da bracatinga por agricultores locais (foto: Walter Steenbock).

Opção de sobrevivência

Santa Catarina é o quarto maior produtor de madeira proveniente de florestas plantadas do Brasil, segundo o IBGE. A maior parte dessa produção sai do planalto catarinense, cujas florestas nativas vêm sendo substituídas principalmente por pínus.

No planalto catarinense concentram-se os municípios com menores índices sociais do estado

Essa substituição tem sido apoiada historicamente por políticas públicas de crédito, assistência técnica e fomento florestal. Tais políticas são parcialmente responsáveis pelo título ostentado por Santa Catarina de segundo estado brasileiro que mais desmatou a Floresta Atlântica desde 2000, de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Só perde para Minas Gerais.

Embora essa condição confira à região certo destaque do ponto de vista econômico, é no planalto catarinense que se concentram os municípios com menores índices sociais do estado, segundo o governo de Santa Catarina e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. É nesse ambiente de profundas contradições socioeconômicas que se inserem assentamentos onde o manejo de bracatingais é uma das principais atividades econômicas para a sobrevivência humana.

Luan Galani
Especial para a CH On-line / PR