Foi descoberto mais um possível elo na corrente da evolução humana: o Australopithecus sediba. Esse hominino (membro do ramo humano dos primatas) viveu há aproximadamente dois milhões de anos na África do Sul e possui mais características em comum com o gênero Homo do que qualquer outra espécie de australopiteco. Isso faria dele um possível ancestral dos humanos modernos, mas parte da comunidade científica questiona essa ideia.
A nova espécie foi identificada graças a dois fósseis encontrados na caverna Malapa, no chamado ‘berço da humanidade’ – um conjunto de sítios declarados patrimônio da humanidade que ficam próximo a Joanesburgo (África do Sul). Em 2008, pesquisadores da Universidade de Witwatersrand, também em Joanesburgo, encontraram ali esqueletos parciais de dois indivíduos: uma mulher adulta e um menino, entre 10 e 13 anos de idade.
A descoberta foi apresentada a em dois artigos na edição de hoje da revista norte-americana Science. A análise dos fósseis revelou que o A. sediba possuía cérebro e corpo pequenos, além de grandes braços, como outros australopitecos. Contudo, certos traços físicos – como o formato do cérebro, o pequeno tamanho dos dentes e alterações ósseas na bacia – são mais próximos do gênero Homo.
Confira abaixo uma animação computadorizada
de um crânio da nova espécie.
As características dos fósseis colocariam o Australopithecus sediba como um descendente do A. africanus e um ancestral do Homo habilis. “No entanto, alguns desses traços craniais estão presentes no Homo erectus, uma espécie posterior ao H. habilis,” explica o paleoantropólogo Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand, coautor de um dos artigos publicados na Science.
Segundo ele, isso faz do A. sediba um bom candidato para ser a espécie de transição entre os australopitecos e o surgimento do gênero Homo. Não está excluída, inclusive, a possibilidade de a nova espécie ser o elo entre o A. africanus e o Homo erectus, o que excluiria o H. habilis da linhagem humana.
“É por isso que utilizamos o nome sediba, que em sesoto [uma das línguas da África do Sul], quer dizer ‘fonte natural’ ou ‘poço’”, conta Berger. Ele acrescenta que os fósseis demonstram que a evolução de homininos arbóreos e de corpos pequenos, como o A. africanus, para indivíduos maiores terrestres e corredores ocorreu de maneira gradual.
Queda na caverna
Os esqueletos estavam preservados em uma rocha chamada sedimento clástico calcificado, que foi datada como tendo entre 1,95 milhão e 1,78 milhão de anos. De acordo com os pesquisadores, os indivíduos devem ter caído na caverna por um buraco e morreram, sendo levados para um lago subterrâneo por uma chuva. Lá, acabaram fossilizados junto com vários outros animais encontrados no local, como um tigre-dentes-de-sabre, um antílope e coelhos, entre outros.
O local impediu que predadores ou carniceiros chegassem até os corpos, permitindo que fossem preservados. A erosão das cavernas acabou por expor os fósseis. A posição dos esqueletos e seu estado de decomposição indicam que os dois indivíduos morreram ao mesmo tempo ou muito próximos um do outro.
A novidade foi celebrada como uma peça importante no quebra-cabeça da evolução da espécie humana. “A descoberta do Australopithecus sediba muda drasticamente a situação do registro fóssil da linhagem humana”, avalia Berger.
A ideia de que a nova espécie seja o elo entre o gênero Homo e seus antepassados é questionada por alguns cientistas, como o paleoantropólogo Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos). Em entrevista à Nature News, White diz que essa hipótese é pura especulação e não há evidência fóssil que lhe dê suporte. “A obsessão com o gênero Homo no título e no texto é difícil de entender fora de um contexto midiático”, afirma.
Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ