Os últimos dois anos foram salpicados de notícias sobre braços biônicos movidos pelo pensamento. Um dos primeiros foi o experimento conduzido pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (EUA), que fez um macaco com eletrodos ligados no cérebro movimentar um braço mecânico. Depois, cientistas da Universidade de Brown (EUA) anunciaram que o implante de um chip no cérebro de uma paciente paraplégica a permitiu controlar um braço robótico a sua frente. Agora o engenheiro biomédico Silvestro Micera, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, promete dar mais um passo adiante nesse campo.
Durante o encontro anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS, na sigla em inglês), em Boston, Micera anunciou que nos próximos meses vai implantar pela primeira vez em um paciente amputado uma mão biônica capaz de oferecer ao usuário a sensação do toque em tempo real.
Diferentemente das experiências citadas no início do texto, a mão biônica de Micera não precisa ser conectada ao cérebro, origem dos sinais neurais. O dispositivo usa eletrodos ligados ao nervo do paciente – nesse caso, aos nervos mediano e ulnar, que ficam no braço.
Quando o paciente pensar nos movimentos que deseja fazer, os eletrodos captarão os sinais neurais que viajam do cérebro até o nervo e os traduzirão para a máquina, que se moverá de acordo.
Em 2009, a equipe de Micera já havia feito um experimento bem-sucedido com um paciente amputado, que conseguiu mover um braço biônico temporariamente ligado ao nervo do braço. A prótese, no entanto, não foi fixada ao corpo do paciente e também não havia o feedback sensorial. No próximo experimento, será usada uma nova mão mecânica com vários sensores táteis, nos dedos e na palma, que enviarão sinais elétricos de volta ao cérebro do usuário.
Veja vídeo do experimento, produzido pela equipe de Micera
“Com a informação sensorial, será muito mais fácil e natural para o paciente controlar a mão mecânica. Ao pegar algum objeto, por exemplo, ele vai saber quando deve parar de apertar”, diz o cientista. “Espero que nosso experimento inaugure uma nova era no campo das próteses, abrindo caminho para tecnologias cada vez mais eficientes.”
O paciente deve usar a nova prótese por cerca de um mês sob observação. Se o novo modelo se mostrar eficiente, o cientista planeja um teste clínico mais longo, de três anos. Estudos com camundongos já mostraram que os eletrodos implantados no nervo são duráveis. Até agora, funcionaram por cinco anos sem problemas.
Menos invasivo
Segundo Micera, as principais vantagens da sua técnica em relação aos experimentos que captam os sinais neurais diretamente no cérebro são a praticidade e o conforto para os pacientes.
“Uma amputação não é uma desabilidade severa e penso que é muito invasivo implantar um dispositivo no cérebro”, diz. “Pode ser que no futuro essa seja uma opção melhor, mas creio que os experimentos como os feitos por Nicolelis hoje demorariam cerca de 10 ou 15 anos para se tornarem aplicáveis de um modo prático em amputados e paraplégicos.”
O cientista também aponta que usar o nervo como porta de entrada dos sinais sensoriais pode ser mais natural e fácil do que usar o cérebro diretamente. “Com a nossa abordagem, entregamos o sinal ao nervo e o sistema nervoso periférico faz o resto sozinho; ele se encarrega de levar a mensagem do braço para o cérebro”, explica. “Se você trabalha com o córtex cerebral, tem que pegar a informação sensorial e entregar ao sistema nervoso central de modo artificial, cortando caminho.”
Micera não descarta, no entanto, a validade dessas pesquisas e diz esperar que no futuro as duas abordagens sejam combinadas e adequadas ao perfil de cada paciente.
Em conferência também no encontro da AAAS, Nicolelis afirmou que o objetivo inicial de suas pesquisas não era criar dispositivos e produtos para melhorar ou aumentar as funções do corpo, mas sim estudar a plasticidade do cérebro.
Para o neurocientista Gregoire Courtine, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, o maior desafio da neurociência hoje é justamente fazer a ponte entre a ciência básica e a aplicável. “Nosso campo é a atual esperança para pessoas paraplégicas e amputadas, espero que consigamos corresponder em curto prazo as expectativas que são investidas na área e não falhar como a genética tem falhado.”
Sofia Moutinho*
Ciência Hoje On-line
*A repórter viajou para Boston a convite da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS)